Para me reconciliar com a cozinha portuguesa simples, honesta, com bons produtos e sabores bem apurados visito, com a regularidade possível, restaurantes como O Poleiro, em Lisboa, que conheço e admiro vai para 34 anos. Há lá melhor maneira de esquecer a comida insípida de grande parte dos restaurantes modernos – onde temos de ir, levados pela onda da moda ou pelo dever de ofício, mesmo sabendo que tão depressa abrem como fecham – do que reservar mesa no número dois da Rua de Entrecampos e ter à espera uma carta com sugestões como estas que deixaram duas pessoas felizes, num almoço recente: peixinhos da horta, com o feijão-verde envolto em polme fino e leve, tal como a fritura, que lhe preservou a textura e o sabor, deixando-o douradinho; pataniscas de camarão com arroz de amêijoa, duo de marisco em tom suave e bem afinado (costuma ser lingueirão, quando há, que veio substituir a açorda de ovas, de outros tempos); iscas na frigideira à portuguesa, canónicas, isto é, “com elas”, as batatas, e com o fígado em iscas “de espessura negativa”, como dizia Albino Forjaz de Sampaio, das que se faziam antigamente, tão finas elas eram; e leite-creme, um mimo em forma de sobremesa. São clássicos da casa, que mantém o brio e a segurança do primeiro dia, sob a batuta de Manuel Martins, com a ajuda preciosa da mulher, Conceição, na cozinha, e do irmão, Aurélio, na sala.
A refeição foi escolhida de relance com os peixinhos da horta a insinuarem-se para entrada – um petisco clássico, que nunca falta –, mas poderia ter optado com igual satisfação por bolinhos de bacalhau, bolinhas de vitela, ovos mexidos com farinheira, morcela de Idanha com laranja, presunto de porco preto de bolota com tostilha de tomate e alho, ou as sempre frescas e apetitosas amêijoas à Bulhão Pato, entre outras propostas. Nos pratos principais há quatro sugestões de peixes e outras tantas de carne, pelo menos, e naqueles partilhei com gosto as pataniscas de camarão e as iscas, embora as alternativas fossem igualmente apetecíveis: posta de corvina na canoa à pescador, arroz de vieiras com amêijoa, sável frito com açorda de ovas, do mesmo, pernil avinhado no forno com batatinhas e misto de legumes salteados, arroz de costela em vinha-d’alho com grelos e piano de porco na grelha com batata frita e esparregado.
A ementa é extensa, com predomínio dos cozinhados no tacho e no forno (inclusive acompanhamentos, que, às vezes, são tão bons ou melhores do que os pratos, como os arrozes de feijão, de coentros e de alho, as açordas e o esparregado, por exemplo), sem prejuízo dos grelhados, nomeadamente peixes do dia, e das frituras, como as já referidas. Os vários pratos de bacalhau (à lagareiro, frito, pataniscas e arroz de línguas); a garoupa de coentrada, versão à Bulhão Pato com arroz de alho; o arroz de favinhas com entrecosto frito; o cabrito frito (ao alhinho) ou grelhado; as barriguinhas de porco grelhadas com massa e feijão, prato de inverno que dura todo o ano; e a vitela barrosã no forno são outras razões que levam ao O Poleiro. Tal como, nas sobremesas, o pudim de Abade de Priscos, os papos de anjo, o arroz-doce ou o mimo de chocolate. Grande garrafeira com boas opções a copo. Serviço exemplar.
O Poleiro > R. de Entrecampos, 30A, Lisboa > T. 21 797 6265 > seg-sáb 12h15-15h, 19h15-23h > €30 (preço médio)