De sorriso fácil, com pronúncia do norte e bem-disposta. É assim que a cozinheira Inês Diniz, 53 anos, da portuense Casa Inês, se apresentou esta sexta-feira, 31, nas raras aparições na sala durante o almoço no restaurante D. Afonso O Gordo. Tudo para não descuidar os seus afazeres nesta cozinha lisboeta.
À boleia do convite da iniciativa Mesas Bohemias, em que a principal missão é que restaurantes regionais troquem de cidade durante quatro dias, Inês Diniz é a primeira a deixar a sua cidade, trazendo na bagagem os seus pratos mais emblemáticos.
A ementa, que estará disponível apenas até este domingo, 2, começa com umas fatias fininhas da broa de Avintes. “Vou começar por vos dar pão e água para comer”, diz o cozinheiro Rodrigo Meneses, um dos responsáveis pela organização das Mesas Bohemias. Mais tarde, Inês explicará que esta broa é feita na garagem do casal Júlio e Rosa, segundo métodos artesanais e com água do poço. “Um dia tive uns clientes a queixarem-se porque o sabor estava diferente. Quando os questionei, rapidamente responderam: ‘A ASAE anda por aí e, por isso, começámos a usar a água da companhia’.”
Sem grandes demoras, somos brindados por um trio composto por bolinhas de alheira com agridoce de abóbora, sardinhas de escabeche e bacalhau à Gomes de Sá, que se fizeram acompanhar pela cerveja Bohemia Puro Malte, companhia para sugestões de aves e caça. E qual deles o melhor – um pequeno aparte: o escabeche de sardinha deixa saudades, mas o bacalhau, um dos preferidos da cozinheira, é que nos deixou a salivar e nos fez repetir.
A verdade é que Inês nem sempre gostou de cozinhar, talvez por “ter nascido por cima de um restaurante”, diz. “Achava uma seca estar sempre a ouvir falar de comida”, conta. Até que, um dia, depois de ter “andado a passear os livros”, decidiu, com o marido, abrir a Casa Inês, em janeiro de 2012. Já o bichinho pelos tachos (e o talento, acrescentamos nós), deve-o aos seus pais: “A minha mãe teve 50 anos na cozinha e nunca gostou. O meu pai, que também cozinhava bem, adorava”.
O primeiro prato principal chega à mesa. “É um momento solene, quem ainda não o conhece vai apaixonar-se, quem já o provou continuará enamorado por ele”, afirma Rodrigo Meneses, o anfitrião deste almoço que quer celebrar e transportar a cozinha regional até outras cidades, encurtando as distâncias. E à nossa frente aparecem os célebres filetes de polvo com o arroz do mesmo. “O arroz é mesmo seco, não está mal feito, se fosse malandrinho ensopava o filete”, acrescenta. O polvo parece manteiga de tão macio que está. “É a qualidade do polvo que compro, é o único produto congelado que uso. Tem que cozer e fritar com calma”, explica Inês Diniz. Desta vez, o prato casa com a Bohemia de Trigo.
Há que guardar apetite para as tripas à moda do Porto, outro clássico da Casa Inês, que pedem uma cerveja mais encorpada, uma Bohemia Original. Uma sugestão justificada pelo jornalista de gastronomia e de vinhos José Silva, que também está envolvido na iniciativa Mesas Bohemias. “É o prato mais antigo de Portugal ainda em execução, foi criado em 1415, no tempo do Infante D. Henrique. Acabou de comemorar 600 anos”, comenta. Começou por ser feito com pão seco, com três ou quatro dias, só mais tarde foi introduzido o feijão, que aparece da América do Sul e os cominhos trazidos das índias”, continua. A história termina com a seguinte afirmação: “No Porto comem-se, no mínimo, dois pratinhos cheios”. O que nos leva à gargalhada e a pensar: haja apetite.
“Os meus clientes preferem as tripas que faço no dia anterior, por estarem mais apuradas, levam cerca de três horas a cozinhar, já com as tripas e a mão de vaca cozidas”, acrescenta ainda Inês. E, quando na sala se a pergunta se estas foram feitas ontem ou hoje, Inês não hesita: “São de ontem, pois claro”.
Uma cremosa aletria (em meio quilo de aletria, Inês põe 60 gemas) e uma rabanada encerram este banquete de sabores regionais. Antes de sair, os devidos agradecimentos à cozinheira. Em troca, ainda recebemos um abraço, que nos aconchegou o estômago e a alma. É tão bom ir à Casa da Inês, seja no Porto ou em Lisboa.
O restaurante Casa Inês desloca-se ao restaurante D. Afonso O Gordo > R. de Santo António, 18, Lisboa > até 2 abr, sáb 12h-24h, dom só ao almoço > €30 > a iniciativa Mesas Bohemias prossegue, depois, com a ida do restaurante Noélia & Jerónimo, de Cabanas de Tavira, para o BH Foz, no Porto > 6-9 abr