Não peçam a Vitor Matos para falar de conceitos. “Não sigo uma linha única, viajo pelo mundo e colho inspiração em vários sítios”, diz o chefe de cozinha do Antiqvvm, um dos restaurante portugueses estreantes nas estrelas Michelin de 2016. Uma conquista em tempo recorde, alcançando a aprovação dos avaliadores após poucos meses de existência. E fê-lo com uma interpretação muito própria da cozinha tradicional portuguesa, a par de experiências onde abundam cores, texturas e sabores. “Faço a comida que me dá prazer”, confidencia.
Na apresentação da nova carta de inverno do restaurante revelou estas diferentes influências, num jantar de 11 pratos que cruzou sugestões dos dois menus de degustação existentes: o Tradição Renovada, focado numa exploração dos sabores e dos produtos tradicionais portugueses; e o Ensaios Sensoriais, com propostas mais lúdicas. O arranque marcou logo o tom de um inverno não muito rigoroso (apesar da neblina instalada no Antiqvvm mal chegam os comensais), apresentando Vitor Matos uma proposta mais exótica, com atum e vieira como ingredientes principais, inspirada pelo seu périplo recente pela Ásia. Seguiu-se um prato capaz de anular todos os traumas de infância provocados pelo fígado de bacalhau, desta vez com uma textura de parfait, casado com bacalhau fumado e finalizado à mesa com um molho translúcido de peixe e vinho do Porto branco.
A transição para os quentes fez-se com pombo e foie gras, numa versão divertida em que se misturava milho doce, pipocas, maçã, pistácios e citrinos, tudo ligado com um molho de frutos vermelhos. Sucedeu-se um prato recuperado de outros tempos (e de outra estrela Michelin, conquistada por Vitor Matos na Casa da Calçada, em Amarante), uma combinação improvável, mas muito saborosa, de posta de salmão com ravioli recheado com cabeça de porco fumada. “Gosto muito destas trocas entre mar e terra, de chocar, desde que faça algum sentido”, conta o chefe de cozinha. Uma manobra repetida no cruzamento do “modesto” frango do campo com o “requintado” lavagante azul da nossa costa, com raspas de trufa do outono toscana a finalizar.
O aproveitamento e a valorização dos produtos portugueses é uma constante da carta. Há o peixe manteiga com rapazinhos de Trás-os-Montes – os cogumelos selvagens colhidos na terra natal de Vitor Matos –, a que se acrescenta um gosto muito especial, o da raiz de cerefólio, a mais cara do mercado. Há a sapateira e os lagostins, servidos com um caldo vigoroso, todo ele mar. Há o salmonete e ouriço-do-mar, com uma envolvente delicada formada por couve-flor, cogumelos shimaji, algas codium e borragem. E há, ainda, o veado e o tendão de vitela maronesa em formato chip estaladiça, fruto de muitas experiências na cozinha, mostrando que nada se perde, tudo se transforma.
A passagem para as sobremesas é marcada por mais uma encenação. Mas comecemos pelo final, mais singelo, uma proposta ainda sem nome (como acontece com quase todas), a recordar o I Love Cheesecake da carta de verão, mas desta vez com os citrinos e o alecrim a dominar. Com nome atribuído, para já, está apenas o tal prato-sensação: A Nevar na Serra da Estrela, uma combinação de sabores muito simples (requeijão, doce de abóbora, amêndoa, acrescida de pinhas de chocolate), mas que envolve a mesa num nevoeiro denso, provocado pelo gelo quente. O inverno bate leve, levemente no Antiqvvm… que seja sempre assim tão doce.
Restaurante Antiqvvm > R. de Entre Quintas, 220, Porto > T. 22 600 0445 > ter-sáb 12h-00h, dom 12h-15h > menus por €80 e €110, harmonizações por €40 e €60