Confessamos já que fomos apreensivos para este almoço gínico, fosse lá isso o que fosse. Habituados que estamos a harmonizar, como agora se diz e bem, os melhores menus degustação com vinhos de cortar a respiração – primeiro o espumante, depois um branco seco, um ou dois tipos de tinto, e a rematar um licoroso. Além disso, a tarde ainda se pretendia de trabalho e nunca se sabe como se sai de uma maratona de gin. Mas seguimos, claro, prontos a enfrentar os receios. E com o nome seguro de Miguel Castro e Silva, o chefe de cozinha que, aos 55 anos e muitos deles com experiências bem sucedidas, nos iria pôr a comida na mesa.
Perdemos o welcome drink, elaborado, como as cinco variações ao longo do almoço, com o Friday Chic Gin, um destilado nacional, acabado de chegar ao mercado, mas que já foi premiado na edição do Best Awards, um concurso bienal que se realiza durante a Alimentaria Barcelona. O cocktail, da responsabilidade da loja Gin Lovers, levava, disseram-nos, porque não o provámos, polpa de frutos vermelhos e água tónica premium.
Estamos no claustro, chamemos-lhe assim, da Embaixada, a pioneira concept store da capital, que é uma elegância e onde apetece vaguear. Mas não foi para isso que aqui nos chamaram. Sentemo-nos à mesa, entre cinco desconhecidos, e avancemos para a descoberta de alguns pratos da nova ementa do restaurante Less, onde as doses têm preços acessíveis e estão pensadas para dividir, em harmonia – não há cá eu peço isto, tu pedes aquilo.
Cada prato, cada gin
Comecemos por mencionar o tártaro de atum com zabaglione de soja, porque foi o primeiro que provámos. Para quem não sabe, zabaglione é uma receita italiana com gema de ovo e um vinho doce, por exemplo. Neste caso, contou-nos o chefe, levou Porto e também soja, o que dá um toque delicioso ao tártaro já de si bastante fresco.
Da mesma levada, que acompanhava uma flute de gin com sumo, espuma e raspa de limão e gengibre, para cortar o salgado deste primeiro passo, também comemos as pataniscas de nada. São de nada porque levam apenas farinha e água (estas por acaso foram enriquecidas por um ovo) – um dos pratos que o chefe de cozinha criou, no ano passado, para a última ceia encomendada pelo canal Odisseia. Por cima do nada, encontrámos enguia assada, regada com mel e mostarda. A acompanhar, umas alfaces amargas que, garante Miguel Castro e Silva, se comeriam por alturas da crucificação de Cristo.
Do cocktail com limão, saltámos para o clássico gin tónico, servido naqueles copos enormes em que agora se consome esta bebida. Bom, não será assim tão clássico porque encontrámos uma folha aroxeada de Shizo a boiar junto ao gelo. Quando lhe demos uma trinca, sentimos o anunciado paladar a especiarias, que era suposto ligar na perfeição com o prato que se segue. Bebemos o gin e adorámos a cevadinha de camarão, mas achámos o casamento forçado. “Em Portugal não é típico cozinhar com cevada, mas agora que experimentei percebi que fica mais leve do que uma massa, por exemplo”, conta Miguel Castro e Silva, com a sinceridade de quem criou um excelente prato quase por acaso.
O bule de onde não sai chá
Ainda teríamos de beber outro gin tónico (que chatice…), desta vez mais cítrico, com zest de lima e folha de lima kaffir. E bem foi preciso para ajudar a digerir os dois risottos e o parmentier que haveríamos de provar logo a seguir. “Neste restaurante não estou comprometido com a lógica da proteína.” E nós, que gostamos mais de hidratos de carbono do que de pratos altamente proteicos, ficamos contentes quando constatamos que neste terceiro momento, como lhe chamam, estamos entregues ao nosso gosto. No mesmo prato, servimo-nos de risotto de gorgonzola com pera Rocha em Porto e balsâmico, risotto de espargos verdes com caracoletas (cozinhado em manteiga de ervas) e o tal parmentier que, explicou o chefe com paciência para desconhecedores, mais não é do que um puré de batata, à francesa, neste caso trufado, a fazer-se acompanhar de espargos verdes, parmesão e uma gema de ovo de codorniz. Mesmo bom – nisto das bases da culinária não há como os gauleses e o Miguel Castro e Silva não abre mão disto, pelos vistos.
Antes da sobremesa, dão-nos uma chávena e trazem à mesa um bule de cerâmica vintage, a fumegar. Pensamos de imediato: olha que bem nos vai saber um chá para cortar com tanto gin e poder seguir para a redação sem marcas evidentes do almoço. Mas não. O que saiu do bule foi, imagine-se, gin. Outra vez. E frio, porque o fumo era só para disfarçar… Se estivéssemos mais atentos, poderíamos ter lido no menu que o cocktail final, o mais forte de todos, levaria sumo de toranja, hibisco, cardamomo e gelo seco. Depois de molharmos os lábios nesta mistura, e de comermos uma garfada da tarte de limão da sobremesa, agradecemos e saímos apressados, tarde e a más horas. Só a pensar que deveríamos ter parado numa casa de chá daquele bairro cosmopolita, com medo que algum colega, à chegada, nos pedisse para fazermos o “quatro”, testando o nosso equilíbrio. Prova que teríamos superado com distinção, claro está.
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