Duas da manhã. No quarto, com o netbook ligado, uma mulher conversa no chat, com o seu “amigo” recente.
Ele: “Põe-te em campo, assim não te apanho!”
Ela: “Está bem assim? [ajusta o corpo na direção da câmara]? Ok, tenho de ir, só vou dormir seis horas!”
Ele: “Já passou uma semana… o cafezinho amanhã, então, no sítio combinado?”
Ela: “Uhmm… Com todo o prazer!”
A cena repete-se com milhões de pessoas que frequentam sites de encontros. Em década e meia, o universo virtual infiltrou-se nos hábitos de comunicar. O apelo virtual “clique aqui e encontramos a sua alma gémea” revolucionou as formas tradicionais de iniciar flirts e namoros. Foi-se o medo, a vergonha ou o estigma de outros tempos. Basta criar um perfil, responder a um teste de afinidade e pagar o pacote. Os cálculos, supostamente científicos, fazem o resto. Dezenas de potenciais parceiros amorosos entram pelo ecrã dentro, ao alcance das teclas, com possibilidades interativas quase ilimitadas.
Mas será que resulta? Uma mega investigação americana, publicada na Psychological Science, lançou a pedrada no charco: não há uma fórmula matemática para a química do amor. A equipa do psicólogo social Eli Finkel analisou sites e aplicações móveis com localização por GPS que faziam cruzamento de interesses, motivações e aspetos da personalidade, deixando de lado os serviços de anúncios pessoais, sexo casual e extraconjugal, speed dating e jogos com avatares (persona virtual) Conclusão: estes serviços funcionam mas têm pontos fracos. O excesso de confiança nos perfis dos candidatos e a dificuldade de escolha são um entrave sério na opção pelo(a) tal. Se esta forma de conhecer parceiros não é mais eficaz que os meios tradicionais (amigos de amigos, bares, etc.), para quê pagar e investir tempo nisso?
Roda da sorte
“A ideia era conhecer gente interessante e, depois, logo se via.” João é empresário e tem 43 anos. Tinha terminado um relacionamento longo, quando se dispôs a subscrever uma assinatura de seis meses no Meetic, como complemento às formas convencionais de reingresso nos “bairros do amor” (expressão do cantor e músico Jorge Palma).
Foram trocas de piropos online, telefonemas e cafés, com perto de 30 mulheres. Chegou a relacionar-se intimamente com algumas. Entretanto, a conta expirou por falta de pagamento, devido à alteração da sua situação financeira. Mas a curta experiência deu frutos. Há meio ano que tem uma namorada. Das impressões que ficaram, nesse período transitório, relata esta: “É o sítio ideal para diversão, mas um turbo difícil de gerir, porque é muita catarse ao mesmo tempo!” Se tivesse que apontar limitações, “o problema do catálogo” seria uma delas. “Quando se começa algo exclusivo, a dificuldade é deitar os outros contactos fora… e se forem precisos mais tarde?”
O risco de perder-se é grande, contrariando a lógica de quem vai ali com a intenção de encontrar a alma gémea: “A esmagadora maioria usa estes sites para sexo e experiências efémeras; apaixonar-se acontecerá por acaso e é preciso ter cuidado, senão fica-se deslumbrado, agarrado ao vício da novidade, sem assentar.” O caso de João confirma os estudos sobre decisão: as melhores escolhas são feitas a partir de uma amostra pequena. Se a oferta for muita, lá se vai o discernimento.