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Restringir custos com medicamentos é assumir que a saúde tem preço?
Não tem preço, mas tem um custo. A inflação anda nos 3% e o aumento dos preços com saúde é o dobro. Não é sustentável e parece o cobertor curto: se tapar a cabeça, destapa os pés.
Nem todos temos acesso a tudo?
Se as coisas fossem baratas, dava. É verdade que todos temos os mesmos direitos, independentemente de uma doença implicar mais gastos que outra. Mas no cancro, há medicamentos que custam milhares de euros, não estando bem provado que sejam mais benéficos. O problema põe-se nos casos de fronteira: se o fármaco só prolonga a vida em 6%, vale a pena ou não?
Quem decide esse limite?
Quem toma as decisões é o médico, que foi treinado para dar o melhor ao doente. Mas o melhor não tem de ser o mais caro, sobretudo se o ganho for, por exemplo, de 1% de melhoras.
A questão da sobrevida é ética e económica?
A ética é uma coisa fluida. No estudo do CNECV verificou-se que tem de se cortar aqui e ali, sem fazer muito mal. Quando cortamos , algum mal faz, mas pode não se sentir. Esta discussão devia manter-se dentro de muros, pois não ajuda nada os doentes.
Como explica a resposta da Ordem?
A intervenção do bastonário foi extemporânea e infeliz. Ninguém do CNECV, que é formado por médicos, pode ser ameaçado por um parecer que não agrada ao senhor bastonário. Isto nem é novo: quando lancei o livro A Doença da Saúde, a Ordem ameaçou-me com uma sanção. Se não se respeitam os colegas do Conselho, respeita-se quem? Foram escolhidos e, mesmo que não concordemos, aqui ou ali como no testamento vital, por exemplo temos de aceitar a opinião da maioria.
Este não pode ser um precedente perigoso?
O chamado racionamento é um facto.
É por saber que não pode dar-se a todos, que se deve discutir como dar a todos por igual. Recomendo que todos os hospitais, em conjunto, discutam qual o melhor rácio custo/benefício.
Segundo as orientações internacionais para transplante, acima dos 65 anos uma pessoa não deve estar na lista. Porém, já operei gente com 72. Aqui entra a ética, que deve ser flexível.
Há um século atrás seria antiético fazer um aborto. Hoje é lei e o Conselho aceitou-o em determinadas condições.
O importante é estabelecer medidas gerais, com justiça. A procura do mais barato é um risco adicional, pequeno e justificado. Mesmo sendo vidas humanas.
Isto, tendo em conta o total da população.
Há estudos que apontam para o subfinanciamento oncológico em Portugal.
Uns países farão diferente, porque têm mais dinheiro. Mas também estabelecem limites, até na Alemanha, que só gasta anualmente 200 válvulas para cirurgia sem coração aberto. Os outros têm de continuar com o velho tipo de cirurgia, até porque não se sabe se as novas válvulas duram o mesmo.
E porque não poupar de outro modo? Ou o doente pagar uma parte?
O problema da gratuitidade é o sistema ser perverso. O médico prescreve “o melhor” e alguém há de pagar. O doente diz “sou isento, quero medicamento de marca”, mas, se for ele a custear, pede genéricos. Exceto os 20% de pobres de que a sociedade deverá encarregar-se, cada um deveria financiar parte do que usa, para ter a noção do custo.
B.I.
Cirurgião e docente
Diretor do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica dos Hospitais da Universidade de Coimbra, especializou-se na África do Sul, de onde voltou quando Leonor Beleza era ministra da Saúde. É autor de A Doença da Saúde (ed. Quetzal, 2001), um livro polémico sobre as formas de eliminar desperdícios no Serviço Nacional de Saúde