A recente decisão do Governo de fixar em 200 euros o preço das mudanças de nome no notário corre o risco de ser apenas mais uma previsão de receitas que vai ficar muito aquém das expetativas.
É que os processos de mudança de sexo estão praticamente parados há um ano, por falta de dinheiro dos candidatos para fazerem as cirurgias fora do Serviço Nacional de Saúde.
Décio Ferreira, o único médico que fazia este tipo de cirurgias em Portugal, tem uma lista de interessados, mas praticamente nenhum com condições financeiras para avançar, apesar de ele não cobrar nada pelo seu trabalho com as cirurgias genitais. E apesar de a equipa que com ele trabalha praticar preços muito abaixo do habitual nas restantes operações necessárias para complementar o processo.
Décio Ferreira reformou-se em 2009 do Hospital de Santa Maria. Mas ainda continuou lá a fazer este tipo de cirurgias, primeiro com um contrato , depois já do seu próprio bolso, até março de 2011. E faz assim o balanço desse trabalho: oito cirurgias de homem para mulher e “muito mais” do processo inverso.
Desde aquela altura trabalha no Hospital de Jesus, em Lisboa, onde, apesar da sua boa vontade e da sua equipa, passar de homem para mulher ficará no total em 6 500 a 7 mil euros, enquanto a mudança do sexo feminino para o masculino andará pelos 15 mil euros. Só as próteses custarão mais de 5 mil euros.
Hoje os doentes podem fazer no SNS só as consultas de diagnóstico, um processo que demora uns dois anos, para os médicos se certificarem de que não há problemas psiquiátricos por trás da decisão de mudar de sexo. Os Hospitais Universitários de Coimbra fizeram constar que iriam ou estariam já a trabalhar nesta área, informação que a VISÃO não conseguiu esclarecer em contacto com aquela unidade.
A falta de meios financeiros fez com que muitos candidatos iniciassem o processo e agora não consigam conclui-lo. “Dantes o Estado dava as cirurgias, mas era muito difícil mudar o nome no cartório. Ultimamente tem sucedido o inverso”, diz aquele médico.
Décio Ferreira considera “ridícula” a recente decisão de cobrar 200 euros pelo trabalho notarial.
É que só 10 a 20 casos recebem anualmente luz-verde para avançar, após o diagnóstico. Assim, ainda que os candidatos tivessem dinheiro, os cofres do Estado nunca arrecadariam por esta via mais do que uns magros 2 mil a 4 mil euros por ano….