Os danos nos pulmões de algumas pessoas que adoeceram após usarem cigarros eletrónicos assemelham-se a uma queimadura química. A descoberta foi feita por equipas médicas da prestigiada Clínica Mayo dos EUA, depois de avaliarem o tecido pulmonar de 17 dos seus pacientes. Duas amostras vieram de pacientes que morreram.
“Todos os casos mostram um padrão de lesão no pulmão que se parece com uma exposição química tóxica, como uma queimadura química”, disse Brandon T. Larsen, patologista cirúrgico da Clínica Mayo em Scottsdale, Arizona, citado pelo The Independent. “Para ser sincero, são lesões que esperaríamos encontrar em algum trabalhador vítima de um acidente industrial, como se tivesse havido um derrame de um grande barril de produtos tóxicos”, disse – antes de assumir que aqueles ferimentos também são muito parecidos aos vistos em pessoas expostas ao gás mostarda, arma química conhecida por ter sido usada na Primeira Guerra Mundial e também em outros conflitos mais recentes como é o caso da Síria e do Iraque.
Publicados no The New England Journal of Medicine, os resultados dizem respeito a amostras de 13 homens e quatro mulheres com idades entre os 19 e os 67 anos. Cerca de 70% dos casos apresentavam história de uso de cigarros eletrónicos, fosse com nicotina ou com THC, o princípio ativo da canábis. Onze eram do Arizona, cinco do Minnesota e outro dos casos era da Flórida.
No momento em que mais de 800 casos de doença pulmonar foram identificados em 46 estados dos EUA – e associados diretamente ao uso de cigarros eletrónicos – e que 16 pessoas já morreram, a notícia vem confirmar os mais recentes receios sobre essa utilização. Na maioria dos casos, o produto usado foi o ingrediente psicoativo da canábis, mas alguns dizem que utilizaram apenas a nicotina.
Os autores da investigação médica não conseguiram identificar exatamente o que está a causar aquele tipo de dano ou mesmo quantas substâncias nocivas estão envolvidas – ou seja, se a origem da lesão é dos líquidos usados ou alguma toxina libertada pelos materiais usados no fabrico daquele tipo de dispositivos. Também não se sabe ainda se alguns desses aparelhos podem ter sido comercializados com defeito.
Inicialmente, a preocupação era avaliar a possibilidade de os pulmões estarem entupidos pelos óleos usados naquele tipo de dispositivo – mas segundo Larsen, o médico responsável pelo estudo, não havia sinais que pudessem indicar a presença de óleo no tecido pulmonar. Em vez disso, viram células com o que ele descreveu “a aparência fina e espumosa que é característica de lesões químicas”.
Os perigos já conhecidos do vaping
A descrição do que acontece ao tecido pulmonar, na sequência do uso dos cigarros eletrónicos, não é nada animadora: não só há danos nos tecidos como mesmo morte celular no revestimento das vias aéreas e dos próprios pulmões. Depois, à medida que o corpo reage e se tenta curar, o tecido inchar e pode estreitar as vias respiratórias. Tudo isso leva ao desprendimento das células mortas, que bloqueiam a passagem do ar, levando os fluidos para os alvéolos pulmonares. Nesta altura, o inchaço, os danos nos tecidos e o acumular de líquidos acabam, muitas vezes, por impossibilitar a respiração.
“Ao não receberem oxigénio suficiente, nem libertarem o dióxido de carbono, muitos pacientes não recuperam e acabam por morrer”, rematou o especialista.
Foi na última sexta-feira que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA identificou vários nomes de produtos associados ao THC em cartuchos próprios para cigarros eletrónicos, e que muitos pacientes confirmaram ter usado antes de adoecer – entre eles, Dank Vapes, Moon Rocks, Off White e TKO, listados pelas autoridades de saúde que entrevistaram pacientes no Wisconsin e em Illinois.
De acordo com o relatório do CDC na semana passada, dos 771 pacientes em todo os EUA no surto agora conhecido, 91% haviam sido hospitalizados; 69% eram do sexo masculino; e pouco mais de 60% tinham entre 18 e 34 anos. Das 13 mortes conhecidas no final da semana passada, o CDC disse que quase 60% eram de homens e a idade média era de 50 anos. Já os estados do Nebraska, Virgínia e Nova Jersey relataram mortes esta semana, elevando o total para 16. Muitos dos pacientes que morreram eram mais velhos e já tinham outras doenças crónicas.