Antes de mais, imagine uma vaquinha simpática a ilustrar algumas das regras MU (ou muuuuuuuito importantes), de utilidade geral em qualquer discussão: “Todos têm a sua vez”; “Escutar os outros com atenção”; “Não vale deitar ninguém abaixo”. Os alunos da Escola Básica Teixeira de Pascoais, em Lisboa, sabem-nas de cor, desde que, no início do ano letivo, começaram os debates sobre “gestão de emoções”, ou atitudes antibullying, nas atividades de enriquecimento curricular.
A primeira surpresa chega no cenário que encontramos, nada convidativo para iniciativas que ultrapassem o mínimo denominador comum – assegurar que os cerca de 280 alunos, do 1º ano ao 4º ano, tenham aulas. O edifício da escola é alvo de obras de reabilitação, que se arrastam há três anos, o que faz com que mais de 50% das salas de aula se situem em contentores e que o espaço de recreio esteja reduzido a 25% do que seria normal. A exígua área deixada pelas obras conduz a uma proximidade em que “os alunos chocam mais vezes e em que, num ápice, uma brincadeira acaba num pontapé”, diz o empresário Rui Coelho da Silva, presidente da associação de pais. No recreio, as situações de violência, física e verbal, têm aumentado. Mas, salvaguarda, “não nos encontramos em estado de sítio”. E foi numa “lógica preventiva” que a dinâmica Associação de Pais da Teixeira de Pascoais contratou duas psicólogas do projeto Escolas de Empatia, da ONG Par – Respostas Sociais, à semelhança do que fez com aulas de artes plásticas, de expressão dramática ou da horta pedagógica, para as quais recrutou professores externos, que paga com fundos próprios e financiamentos públicos.
Em abril, pais e estudantes já puderam ver uma peça de teatro sem tabus, representada por alunos dos 3º e 4º anos. Perdidos nas Emoções, assim se chamou, abordou temas como o medo, a alegria, a raiva, o nojo, a vergonha e a tristeza. “Temos de aceitar as nossas emoções e as dos outros, sentindo-as e gerindo-as”, diz Andreia Nogueira, 27 anos, uma das psicólogas da Par, sobre a mensagem que a representação daquela peça quis transmitir. Através de técnicas de educação não formal, é isto mesmo que a aprendizagem da “empatia” procura alcançar, no combate ao bullying: a capacidade de identificação com o outro, e até de se colocar no seu lugar, sem abdicar da argumentação de ideias próprias e das razões que as fundamentam.
Andreia Nogueira e Filipa Castro, 28 anos, as psicólogas da Par, usam imagens para lançar o debate – o aluno assertivo é a “pessoa-Sol” e o agressor, a “tempestade”. Mas na aula de “gestão de emoções” a que a VISÃO assistiu, com alunos de 6 e 7 anos, as crianças optaram por expressões diferentes. Eram apenas sete alunos, quatro meninos e três meninas. Nada que infrinja as regras MU, as quais também dizem que “todos têm o direito de passar” – ou seja, a participação forçada está excluída.
“O AMOR AMOROSO”
Com aquelas crianças, as psicólogas não precisaram de verbalizar as imagens da “pessoa-Sol” ou do “aluno-tempestade”. A plateia antecipou-se nas definições e na argumentação.
Quando Filipa Castro colou na parede o desenho de um boneco com uma boca descomunal aberta, dentes ameaçadores e mãos enormes, houve consenso: era o “mauzão refilão”. O boneco seguinte apresentava-se de olhos fechados, de rosto lavado em lágrimas e com uma camisola na qual se destacava um alvo com uma flecha cravada no centro. Ouviu-se um “coitadinho”. Alguém, em nome do rigor, notou que a flecha devia estar mais acima, no lugar do coração, em vez de se encontrar ao nível da barriga. E uma terceira voz disse que se dois colegas discutem, “é tipo um minuto de bullying”. As psicólogas pediram mais opiniões. Guilherme adiantou que era antes “fofinho”. Miguel lançaria a definição por todos aceite: era o “sofredor de bullying fofinho”.
Depois apareceu um boneco de olhos em forma de coração, com boca de quem está a falar e, na camisola, a imagem de um aperto de mãos. O silêncio seria rompido por Sofia, até ali calada, mas muito atenta. Era a figura das “pazes”. Isso mesmo, concordou Eduardo: “Está a mostrar ao ‘mauzão refilão’ que têm de fazer as pazes para brincarem os dois.”
Rita serviu-se das psicólogas para exemplificar: “Eu e a Andreia estamos a discutir e a Filipa resolve o problema. É a medalha-Sol.” Desconcertante, Miguel dirá a seguir que o boneco está “apaixonado por uma pessoa chamada Filipa, que inventei agora”. Foi a forma que encontrou para o designar como “o amoroso apaixonado”. Rita achava que todas as figuras deviam “ter dois nomes” e, pegando na ideia do colega, apelidou o boneco das “pazes” de “amor amoroso”. E explicou-se melhor: “Quer tornar todas as pessoas amadas.”
E assim terminou a sessão, a meio da qual a psicóloga Andreia Nogueira alertou a plateia para mal-entendidos. “Por vezes, o que vejo como uma brincadeira pode não o ser”, notou. Também se magoa, por outro lado, “quando não se brinca com um menino”. Quase só falando para os seus botões, um rapaz comentou: “E sem me explicar porquê.”
Até junho, as psicólogas da Par, em busca de “empatia”, vão dirigir aulas semanais de “gestão de emoções” em três turmas do 1º ano e em outras tantas do 2º, da Teixeira de Pascoais. Na aula que a VISÃO presenciou, não houve tempo para pôr à discussão um quarto boneco. É o desenho de uma criança que testemunha uma situação violenta e que se prepara para “esconder os olhos com as mãos”, explica Andreia Nogueira. Antecipa o presidente da Associação de Pais, Rui Silva: muitos alunos trazem de casa as frases “não sejas queixinhas” e “deixa-os resolver entre eles”. A velha ordem, de não ver, não ouvir e não falar, ainda resiste.
Dicas para pais preocupados
Se o seu filho for agressor…
Não negue o problema
Responsabilize-o pelos seus atos
Elogie-lhe os comportamentos positivos
Diminua o nível de agressividade – da TV, dos jogos e da dinâmica familiar
… E se for vítima
Escute-o de forma compreensiva
Não o culpe nem desvalorize a situação
Ajude-o a desenvolver competências pessoais e sociais
Dê-lhe apoio num plano de ação, mas respeitando o seu ritmo