Em meados de fevereiro, a conta de Instagram da atriz e modelo Joana Duarte encheu-se de sol, palmeiras, mar, pranchas de surf e boa onda. Apetece fazer scroll devagarinho, parando aqui e ali para ver melhor mais uma fotografia tirada durante as suas últimas férias, no Sri Lanka. Se calhar não damos pelas marcas de roupa que vão sendo taggadas umas atrás de outras nem pensamos em publicidade quando ela faz uma pose sexy a comer frutos secos de uma marca de suplementos alimentares.
Pode Joana Duarte estar apenas a taggar marcas de que gosta e usa? Pode, claro. Mas também pode ser porque foi contratada para fazer publicidade, recebeu um patrocínio ou uma oferta, acordou uma parceria paga ou aceitou um convite.
Lá fora, os reguladores não têm dúvidas e já decidiram: quando existe uma relação comercial, as marcas devem ser identificadas logo no início da publicação online – no caso do Instagram, sob o nome. Foi o que ficou assente no Reino Unido, por exemplo, que, como Portugal, estabeleceu o princípio da identificabilidade da publicidade, mas onde a legislação não estava a ser cumprida até muito recentemente.
Em terras de Sua Majestade, a mudança chegou com o novo ano. Em janeiro, a Autoridade da Concorrência e Mercados instou 16 “influenciadores” a assinalarem sempre que as publicações que fazem nas redes sociais são pagas pelas marcas ou mesmo se receberam presentes e empréstimos de produtos. Caso não o façam, as cantoras Rita Ora e Ellie Goulding, as modelos Alexa Chung e Rosie Huntington-Whiteley, por exemplo, arriscam-se a elevadas multas e a penas de prisão até dois anos. E todos os intervenientes – “influenciadores”, agentes, marcas – são corresponsáveis.
Por cá, estamos uns meses atrás na defesa do consumidor e a conta de Joana Duarte é apenas um exemplo entre muitos outros. Em dois minutos, e só no Instagram, vemos o ator Lourenço Ortigão a promover um jantar de uma marca de cerveja, um prémio de cosméticos e um todo-o-terreno; o também ator e apresentador Pedro Teixeira a beber um leite com chocolate e uma bebida energética; e a miniatriz Beatriz Frazão a não resistir a um refrigerante. Segundo o artigo 8º do Código da Publicidade, coadjuvado com o Decreto-Lei nº 57/2008, que estabelece o regime aplicável às práticas comerciais desleais, a publicidade tem de ser inequivocamente identificada como tal, “qualquer que seja o meio de difusão utilizado”. Se existem separadores na televisão, como se explica que no Instagram, no Facebook ou no YouTube tantas vezes não haja uma hasthtag com a palavra “anúncio” ou “pub”?
Quanto custam as publicações
É verdade que em Portugal não estamos a falar de valores astronómicos como os recebidos pela mana Kardashian mais nova – 900 mil euros por post –, mas não é pelo facto de as quantias praticadas pelos “influenciadores” nacionais serem substancialmente menores que as suas publicações são menos ilegais. Cristina Ferreira, que não costuma escrever à cabeça tratar-se de uma parceria – apenas coloca hashtags com as marcas no final do copy (legenda) – ocupa por cá o primeiro lugar na tabela dos mais bem pagos. Segundo uma fonte do meio, a apresentadora pode cobrar até 3 500 euros por post na sua conta @dailycristina no Instagram, onde tem quase um milhão de seguidores (Tiago Froufe Costa, da Lunvin, que a representa, não confirma a quantia). Acima dos 250 mil seguidores, os “influenciadores” já conseguirão cobrar no mínimo 2 000 euros. Abaixo disso, o habitual será receberem até 1 500 euros. Também pode ser celebrado um contrato que não envolve apenas publicações online – o “influenciador” terá, por exemplo, de usar sempre um determinado carro em público –, o que implica naturalmente outros valores.
Os “influenciadores” são livres de receberem contrapartidas por fazerem anúncios nas redes sociais. A questão é se o fazem lealmente em relação aos outros meios e, sobretudo, em relação aos consumidores. Bastará taggar a marca ou usar uma hashtag para se considerar que a publicidade está inequivocamente identificada?
No Ministério da Economia e na Direção-Geral do Consumidor (DGC) pensa-se que não. Depois de as suas equipas terem dedicado 2018 a analisar publicações nas redes sociais e blogues, vem aí uma revolução. A forma a adotar deverá ser decidida pela tutela em conjunto com os agentes que representam os “influenciadores”, soube a VISÃO. Nesse sentido, estão em curso ações de sensibilização, com o objetivo de se criar um guia de boas práticas.
“Tema extremamente quente”, chama-lhe Sérgio Meireis, fundador da Cheese Me. Nesta agência dedicada em exclusivo ao marketing de influência no Instagram, os conteúdos patrocinados (pagos ou não) dos “influenciadores” que têm até 100 mil seguidores são sempre identificados com hashtag no copy. “É o mínimo”, diz, “temos de ser responsáveis.” Os restantes ou são embaixadores da marca ou trazem à cabeça a frase “paid partnership with” (parceria paga com). “Mas, como em qualquer nova área, carecemos de mais informação por parte do legislador”, admite.
Para Tiago Froufe Costa, muitas vezes apresentado como o homem que inventou o êxito digital de Cristina Ferreira, há e continuará a haver uma “zona cinzenta”. “Na prática”, diz, “depende muito da boa vontade e do bom senso do ‘influenciador’ e da marca. Sendo que a maioria das marcas quer aparecer de uma forma espontânea, para o produto entrar de maneira natural no dia a dia do ‘influenciador’”. Em alguns casos, torna-se difícil o consumidor verificar se é ou não publicidade.
“Não podem restar dúvidas de que se trata de uma relação comercial”, nota uma fonte da DGC. “Mas se temos um feeling e não provas… Não podemos avançar à maluca. Por exemplo, no último Natal apareceram vários ‘influenciadores’ a falar de crédito ao consumo. Não seria publicidade? É preciso perceber que muitos interlocutores são jovens e acreditam naquele storytelling.”
Apanhar os distraídos
Lembrando que a exposição às mensagens publicitárias veiculadas através dos criadores do conteúdo, nos meios digitais, pode criar situações de vulnerabilidade ao consumidor, o secretário de Estado da Defesa do Consumidor, João Torres, é perentório: “O potencial comprador tem de ser capaz de distinguir se houve algum tipo de contrapartida associada à publicação e decidir conscientemente com base nesta informação.”
As dúvidas surgem porque se trata de um fenómeno novo. “A publicidade digital só nasce a sério com as redes sociais”, nota Sérgio Gonçalves, responsável estratégico da Live Content, uma agência que nos últimos dez anos tem estado dedicada ao digital. “Os banners são formatos de interrupção e frustração, o que faz com que 25% das pessoas tenham adblocks instalados”, justifica. “A publicidade é eficaz quando não estamos com atenção, porque se estivermos racionalmente ativos, não acreditamos que o creme tira rugas. Quando as pessoas estão distraídas – essa é a altura perfeita. É por isso que as redes sociais são ouro.”
As redes estão todo o dia, em prime time, no bolso das pessoas, que as veem relaxadas, num scroll infinito, em cada pausa – e serão umas 100 por dia. “Ou seja, temos 100 oportunidades de atingir as pessoas no seu modo mais passivo. E estão tão distraídas que mal dão pela frase ‘patrocinado por’, escrita a cinzento num fundo branco”, acredita Sérgio Gonçalves, “mas também não sejamos paternalistas. Sempre pensei que com as hashtags e as tags era suficiente para identificar a publicidade, mas não vejo problema em se escrever a palavra ‘pub’.”
Sim e não, diria Uriel Oliveira, vice-presidente da Cision Portugal. Vários estudos de comportamento – nomeadamente da Nielsen – apontam para um descrédito da publicidade convencional e, ao mesmo tempo, para uma valorização do papel dos “influenciadores”. “As pessoas cada vez menos acreditam na publicidade. As marcas querem comprar histórias patrocinadas. Se ficar claro que é publicidade, isso cria uma barreira mental.”
Uma hashtag não será suficiente? Mesmo Carolina Afonso, coautora do livro Ser Blogger e professora de marketing no ISEG, confessa ver, nalguns casos, uma fronteira muito ténue. “Ainda é um admirável mundo novo da legislação e da ética. Muitos fazem um namoro: começam a taggar porque gostam da marca ou na esperança de um dia virem a trabalhar com ela. Nada nos impede de escrevermos num post: ‘Gosto desta marca.’ Mas há situações escandalosas e essas devem ser fiscalizadas.”
A discussão não é de hoje. Em 2015, o Código da Publicidade ia ser revisto, mas não foi para a frente – um dos temas que geraram controvérsia na altura foi precisamente a obrigatoriedade de que os posts patrocinados de blogues estivessem identificados. “ALELUIA!”, escrevia Ana Garcia Martins, no seu blogue A Pipoca Mais Doce, em maio desse ano. Em 2012, a blogger entregou a carteira profissional de jornalista e passou a aceitar posts pagos. É “embaixadora” de várias marcas e todos os dias recusa parcerias para poder publicar 70% de conteúdos próprios. Desde janeiro de 2014 que acrescenta “post em parceria com” no final de cada texto publicitário. E, se as marcas não querem essa menção, não avança.
Na era do Instagram, onde tem 266 mil seguidores, Ana Garcia Martins continua no mesmo registo: avisa quando se trata de uma parceria e usa #ad no final dos posts. O mesmo faz Catarina Beato, blogger de maternidade: não só usa #pub como tem uma subpágina no seu blogue Dias de Uma Princesa, com a categoria “publipost”. “Só vejo vantagens porque existe maior transparência”, diz. “Se for sempre assim, os leitores sentem outra confiança.”
É também por acreditar que as pessoas gostam da verdade que Anita Costa, autora do blogue Anita & The Blog, jurista de formação, usa uma hashtag à frente das marcas que a contratam – parece-lhe suficiente para os seus seguidores não serem enganados. O mesmo pensa a atriz Liliana Santos, embora saiba haver marcas que nem isso desejam. “Cada vez mais parecem querer fugir ao hard-selling e optar por posts com um conteúdo que seja o mais natural possível”, conta. “Como se fizessem parte do nosso dia a dia.” Para a também modelo, a identificação clara e inequívoca terá mais vantagens para as marcas do que para o “influenciador”. “Se os seguidores começam a sentir que determinado perfil é uma montra de marcas, poderão até deixar de o seguir.”
Nuno Agonia, o principal youtuber português no segmento tecnologia, com mais de 1,5 milhões de subscritores, vê o assunto com calma. Se é verdade que nem sempre identifica as publicações patrocinadas, não vê inconveniente em fazê-lo. Aliás, no caso do YouTube, estará para breve a obrigatoriedade de separadores, como os que existem na televisão. Para não se continuar a dizer que uns são filhos e outros enteados.
O poder dos “microinfluenciadores”
O cabelo da japonesa @babyChanco (na foto) já lhe valeu mais de 400 mil seguidores e um contrato com uma marca de champôs. Empregadas de limpeza, pastores, criadores de gado. E mais bebés, cães e a maravilhosa porca @EstherTheWonderPig. Quem trabalha no meio sabe que os “microinfluenciadores” começaram com o tema da beleza, avançando depois para a moda, o fitness, a comida e as viagens, tornando-se mais específicos com o tempo. A maioria pode manter-se entre os 10 mil e os 100 mil seguidores, mas oferece às marcas um maior retorno, por causa da taxa de engagement. “O que interessa é a taxa de interação dos seguidores – quantidade de comentários, likes, partilhas, posts guardados”, ensina Paulo Faustino, especialista em marketing digital. E agora ainda se vai mais longe com as marcas a procurarem os “nanoinfluenciadores” (com mil a 5 mil seguidores). A ideia é que quando recomendam um produto, a sua palavra se assemelhe a um conselho genuíno a um amigo. É a publicidade com o “rabo de fora”.