A situação nunca se terá colocado em Portugal, segundo as autoridades de saúde, e talvez por isso a resposta não esteja na ponta da língua. Mas, com o aumento do número de pessoas a recusarem a vacinação para os filhos, torna-se cada vez mais relevante saber a idade a partir da qual um jovem se pode vacinar por iniciativa própria e sem autorização expressa dos pais. Em resposta a um pedido de esclarecimento da VISÃO, a Direção-Geral de Saúde (DGS) fixa a fronteira nos 18 anos. Não é esse, no entanto, o entendimento da Ordem dos Médicos nem da Ordem dos Enfermeiros, que indicam os 16 anos como a idade mínima para tomar a decisão sem o consentimento dos pais. O próprio Programa Nacional de Vacinação, numa norma da responsabilidade da DGS, aponta também para os 16 anos, como nos referiu fonte da Sociedade Portuguesa de Pediatria e a VISÃO confirmou.
Menos de uma hora após a publicação desta notícia, a DGS entrou em contacto com a VISÃO para reconhecer que, de facto, é a partir dos 16 anos que deixa de ser necessária a autorização dos pais.
Vem esta questão a propósito do caso de Ethan Lindenberger, um americano de 18 anos que não tomava qualquer vacina desde os dois anos, por decisão dos pais, e que em dezembro passado decidiu imunizar-se, contra a vontade dos seus progenitores, sobretudo a mãe. Esta terça-feira, 5 de março, o jovem esteve no Congresso dos Estados Unidos a relatar a história, que ganhou mediatismo depois de ele ter publicado na rede social Reddit, em novembro, um pedido de ajuda para ser vacinado. Os pais, escreveu então, “são um pouco estúpidos e não acreditam em vacinas”. Ao Congresso, Ethan contou que a mãe dele tinha construído as ideias antivacinação através de informações divulgadas na Internet, “na sua maioria, via Facebook”. Um problema que está a preocupar as autoridades de saúde, a ponto de a Organização Mundial de Saúde o ter catalogado como uma das dez ameaças à saúde pública em 2019, como a VISÃO já deu conta.
Em Portugal, um dos países com maiores taxas de vacinação do mundo, começam a surgir mais pais a recusarem vacinar os filhos. Já não são apenas casos isolados. “Na minha prática clínica, as recusas contam-se pelos dedos, mas sei por colegas que existem desses movimentos em Cascais e também no Alentejo”, diz Luís Varandas, coordenador da Comissão de Vacinas da Sociedade Portuguesa de Pediatria. “Mas ainda não são expressivos e, por vezes, quanto menos se falar, melhor”, acrescenta o pediatra, preocupado com a propagação das ideias antivacinas.
Andreia Gilde, enfermeira na Unidade de Saúde Familiar Porto-Douro, admite que o fenómeno, antes apenas pontualmente verificado no Sul do País, “agora tem pegado um bocadinho mais no Norte”. E não são só as “novas modas de não vacinar” que alimentam esta sua perceção. É também um crescente levantar de dúvidas sobre os efeitos secundários das vacinas, mesmo entre aqueles que são sensibilizados para os benefícios da imunização e acabam por aceitá-las, nem que seja mais tarde, por pressão das escolas (ainda que a Lei não obrigue a ter o boletim de vacinas em dia para fazer a matrícula).
“As pessoas não conhecem os perigos de não vacinar. Continuam a estar em causa doenças graves que podem provocar a morte, e as pessoas devem perceber que o bem maior pesa mais do que o mal menor, como são possíveis efeitos secundários de febre ou pequenas manchas no corpo”, nota Andreia Gilde, antes de deixar um aviso: “Portugal tem uma boa imunidade de grupo, mas, se estas ideias começarem a espalhar-se, poderemos correr alguns riscos desnecessários. O mal é que hoje não há fronteiras e recebemos muitas pessoas de outros países, além de viajarmos mais para sítios sem a nossa taxa de imunização.”
Perante este quadro, importa clarificar a partir de que idade alguém pode contrariar a vontade dos pais, se eles tiverem optado por não vacinar. Nem Luís Varandas nem Andreia Gilde tiveram de lidar até hoje com o dilema e, por isso, assumem o desconhecimento de um ponto de vista jurídico. A enfermeira diz que reportaria sempre a situação à chefia, se um menor de 18 anos quisesse ser vacinado sem os pais presentes e não apresentasse o boletim de vacinas em dia.
Esta posição vai ao encontro da defendida pela Ordem dos Enfermeiros. Apesar do entendimento de que a partir dos 16 anos não é obrigatório o consentimento dos pais, fonte oficial da Ordem explica que se trata “de uma questão complexa”, para avaliar “caso a caso”, precisamente “porque não é tão simples quanto isso” vacinar um adolescente de 16 anos quando este não tem vacinas anteriores registadas no boletim.
Tal como a Ordem dos Enfermeiros, a Ordem dos Médicos entende que a decisão cabe ao adolescente a partir dos 16 anos, havendo ainda a possibilidade de o tribunal impor a vacinação, em idades mais precoces, se considerar que as condições de saúde assim o exigem. As duas entidades fazem questão de remeter para a DGS, ainda assim, a palavra final: 18 anos foi a resposta inicial, entretanto retificada pela DGS para os 16 anos, após a publicação deste texto. De facto, numa norma da DGS, emitida ao abrigo do Plano Nacional de Vacinação 2017 (que substituiu o de 2012 e vigora até hoje), informa-se que “o consentimento próprio para a vacinação aplica-se a pessoas de mais de 16 anos idade”. No caso de menores de 16 anos, acrescenta-se, “as vacinas podem ser administradas, desde que esteja presente quem tenha a guarda do menor ou exista consentimento, por escrito, acompanhado do documento de identificação de quem tenha a guarda do menor”. É inclusive citado o artigo 38.º do Código Penal, sobre o consentimento em geral. O número 3 atesta que “o consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 16 anos e possuir o discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta”.