Há 20 anos, o Thwaites, no Leste da Antártida, era responsável por 2% do aumento do nível médio das águas do mar. Hoje, o número subiu para os 4%, o que é ainda mais impressionante se se levar em conta a velocidade crescente da subida do mar nas últimas décadas. Por outras palavras, o glaciar, quase duas vezes maior do que Portugal, está a derreter mais rapidamente. E as consequências podem ser catastróficas: o Thwaites, além de um volume de água suficiente para fazer subir o nível médio das águas do mar entre 80 centímetros e um metro, está de certa forma a suportar um imenso manto de gelo nas suas costas. É por essa razão que os cientistas apelidam massas de gelo como esta de “glaciares-rolha”.
Em 2018, iniciou-se um trabalho de campo de cinco anos no glaciar, um projeto conjunto dos EUA e do Reino Unido que vai custar perto de 50 milhões de euros. A Colaboração Internacional do Glaciar de Thwaites (CIGT) é a maior iniciativa conjunta na Antártida desde pelo menos os anos 1940, quando se fez o mapeamento do continente austral. Com isto, percebe-se a importância que está a ser dada ao glaciar.
Há razões para tanta atenção. Os alarmes começaram a soar em 2014, ao serem divulgados dois estudos de universidades americanas que deitaram por terra a convicção de que, apesar do aquecimento global galopante, os mantos de gelo do Leste da Antártida se encontravam estáveis e assim permaneceriam durante alguns milhares de anos. Afinal, o colapso dos glaciares já começou e é irreversível, alertaram os investigadores, e o mar vai subir 1,20 metros devido a esse colapso, muito provavelmente nos próximos 200 anos. “Não há um botão vermelho para parar isto”, disse Erig Rignot, autor principal de um dos estudos.
Até então, as observações à superfície não mostravam alterações drásticas. Mas o problema, descobriu-se nessa altura, escondia-se sob a superfície – correntes de água quente estavam a escavar os glaciares por baixo. Seis glaciares, incluindo o Thwaites, já haviam passado o ponto de não retorno.
O perigo escondido
Os cientistas do projeto CIGT estão neste momento a trabalhar em condições extremas (temperaturas máximas de -70C em dezembro e janeiro, os únicos meses em que é possível permanecer na região), a mil quilómetros do pedaço de civilização mais próximo – a Estação de McMurdo, onde se concentram os investigadores que estudam o Continente Branco. Têm aos pés um glaciar “aterrador”, na descrição de Sridhar Anandakrishnan, líder de um dos vários grupos interdisciplinares da expedição. O Thwaites tem mais de 150 quilómetros de largura na “foz”, o que é anormalmente grande para um glaciar e o torna mais suscetível ao degelo provocado pela água; para trás, fica uma bacia de gelo imensa e com pelo menos mil metros de profundidade.
Nos próximos anos, Anandakrishnan e os seus pares vão fazer uma série de medições com instrumentos de ultrassom, recorrendo a explosivos em buracos no gelo (outras equipas vão, por exemplo, instalar sensores em cabeças de focas para medir a temperatura no fundo do mar, quando elas mergulham). O objetivo é sobretudo perceber o que se passa na base do glaciar, para prever o seu comportamento. Se o leito do mar, por baixo do gelo, for constituído em grande parte por sedimentos moles, como se suspeita, o glaciar tenderá a deslizar mais depressa. É o que acontece lá no fundo, e não à superfície, que ditará o destino do Thwaites.
E as correntes (relativamente) quentes que têm devorado a base do glaciar tendem a aquecer ainda mais. Apesar de as complexidades do clima não permitirem que o efeito nas correntes marítimas seja direto e imediato, a verdade é que os oceanos estão a aquecer mais do que se julgava. Um estudo publicado na semana passada na revista Science concluiu que a temperatura das águas tem subido, em média, 40% mais depressa do que calculavam os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (sob a égide da ONU) no seu último relatório, de 2013 – o documento que serve de sustentação às grandes decisões de mitigação e adaptação às alterações climáticas. “O ano passado terá sido o mais quente para os oceanos globais desde que há registos”, garantiu Zeke Hausfather, um dos autores do estudo. “Tal como 2017 tinha sido o mais quente, e 2016 tinha sido o mais quente.”
Na realidade, os oceanos têm travado o aquecimento global, ao absorverem grande parte do calor e dos gases com efeito de estufa. Sem eles, a superfície do planeta estaria a aquecer muitíssimo mais. No entanto, esse serviço tem um custo, e glaciares como o Thwaites podem ser o preço a pagar.
Um muro para salvar o planeta
A instabilidade do glaciar é motivo mais do que suficiente para nos preocuparmos. “Se o Thwaites se portar bem, teremos um metro de subida do nível do mar até 2100, e a isso, sendo doloroso, a Humanidade pode ainda adaptar-se”, explicou à revista Wired Richard Alley, especialista na Antártida e colega de Sridhar Anandakrishnan. Se o Thwaites colapsar, no entanto, “podemos esperar três ou quatro metros”. Isto porque, soltando-se a rolha, o Manto de Gelo do Leste da Antártida começará lenta mas inapelavelmente a fluir para o mar. Recorde-se que 40% da população mundial vive a menos de 100 quilómetros da costa.
As possíveis consequências são catastróficas ao ponto de já haver cientistas a propor soluções tão drásticas, de geoengenharia, que atualmente ainda nem temos capacidade para pôr em prática. Um dos projetos de que se tem falado mais nos últimos anos é a instalação de uma miríade de placas para refletir a luz solar, minimizando assim o aquecimento (a propósito, a diminuição de gelo é, por assim dizer, uma bola de neve: quanto mais calor, mais gelo e neve derretem; quanto menos gelo e neve houver, mais radiação solar é absorvida pelo solo e mais o planeta aquece).
A ideia mais ambiciosa, porém, será talvez a proposta de uma barreira física. Um estudo publicado no ano passado na revista The Cryosphere, da União de Geociências da Europa, sugere a construção de um muro descomunal no fundo do mar, em frente ao Thwaites, para impedir que as correntes quentes destruam as fundações do glaciar. A muralha teria a largura de 150 quilómetros e 300 metros de altura. A concretizar-se, seria a maior obra da História da Humanidade, e construída nas condições mais agrestes que se podem imaginar. Os autores do estudo não esperam que tenhamos capacidade para o fazer antes do próximo século, mas estão otimistas quanto aos resultados: mesmo os cálculos mais conservadores dão uma taxa de sucesso de 30 por cento. Resta saber se ainda teremos tempo para erguer o muro antes de o glaciar desabar completamente.
Nenhuma opção é de descartar, por mais louca que pareça. Os investigadores gostam de lembrar que a Gronelândia tem gelo terrestre suficiente para, caso este derretesse, fazer subir o nível médio das águas do mar em sete metros. Porém, a Antártida é outra escala – derretendo todo o seu gelo, os mares subiriam 58 metros. Seria o fim da civilização como a conhecemos hoje