Chegou a Nova Iorque já com a idade certa para “poder beber uns copos”: 22 anos (nos EUA, os menores de 21 não podem comprar nem consumir álcool em público). Hoje, Bráulio Amado tem 31 anos e sabe que essa chegada a Manhattan foi um momento decisivo na sua vida. Terminado o curso de Design Gráfico, na escola artística Ar.co, em Lisboa, recebeu uma bolsa para outros voos, podendo, na altura, escolher entre Berlim, Montreal e Nova Iorque.
A viagem coincidiu com o momento em que muitos jovens deixavam Portugal por falta de perspetivas profissionais, mas ele não a recorda propriamente como uma fuga a que foi obrigado. A verdade é que, graças aos contactos com professores das aulas dessa bolsa, não foi preciso esperar muito tempo para se ver com um “emprego a sério” nessa cidade de todos os sonhos. A Pentagram, fundada em 1972, é uma das maiores empresas do mundo dedicadas ao design e era aí que Bráulio começou a passar os dias. Dessa rotina nasceria uma imagem que se colou ao seu nome, em Nova Iorque: a de um tipo irrequieto, multifacetado, com tempo para tudo e mais alguma coisa… “Na Pentagram, tinha um trabalho como deve ser, era uma pessoa adulta… Podia ser ao mesmo tempo monótono, impor muita pressão e uma competição saudável, mas era sempre muito exigente. Tudo tinha de ser sempre um trabalho muito bem-feito…” Ora, em Portugal, a sua aproximação às andanças artísticas fez-se, sobretudo, no universo das bandas de punk e de hardcore (não só como baixista que também cantava, “ou gritava”, mas também como autor de capas, flyers, websites e posters ligados a esse universo), e ele sentia falta disso. A sua nova cidade, “com coisas a acontecer a qualquer hora”, convidava, pelo menos, a umas tentativas. “Para encher o meu tempo fora do trabalho, comecei a dedicar-me às minhas próprias coisas e a tentar relacionar-me com a cidade de outra maneira.” Aparentemente, todos o veem como hiperativo – ele nem por isso, mas fala muito rápido, como se tivesse sempre mais para dizer e as ideias e frases se atropelassem.
Depois da Pentagram, teve mais um “emprego a sério”. Passou três anos e meio na histórica revista de economia Bloomberg BusinessWeek, na qual foi diretor de arte (“mas havia mais quatro ou cinco…”), paginou e ilustrou muitas edições. “É desgastante estar fechado numa redação…”, recorda. Por outro lado, conta, não se importando de parecer paradoxal, que “adorava aquilo, estava superconfortável, trabalhava com total liberdade, mas também foi isso que me fez sair”. Donald Trump estava quase a ser eleito, e Bráulio antecipava “uma cena megadepressiva”, mesmo sabendo que, dando razão ao cliché, “Nova Iorque é, de facto, uma bolha à parte nos EUA”. Hoje, sente que, se não tivesse saído nessa altura, poderia ficar por lá mais tempo do que desejaria… Ainda esteve numa agência de publicidade, mas agora cumpre esse sonho bem americano de ser patrão de si próprio e de escolher os seus horários. E está totalmente entusiasmado com o seu novo projeto que ganhou forma em 31 de outubro do ano passado. Chama-se SSHH e fica no número 516 da Rua 6, em East Village, Manhattan. Tem alguma dificuldade em explicar, em poucas palavras, o que é. O seu ateliê? Sim. Uma loja? Também. Uma escola de línguas? É verdade. Uma galeria? Às vezes. Um lugar para workshops? Claro! Abriu o SSHH com o seu namorado e gosta de imaginar este projeto como uma herança de pequenos espaços abertos à comunidade típicos de Nova Iorque de outras eras. “Adoro o que faço, mas gosto ainda mais quando isso pode envolver outras pessoas, quando passa por trabalhar em grupo, por aprender coisas novas.”
E, agora, a million-dollar question: o que faz, afinal, Bráulio Amado? Gosta de se definir, simplesmente, como designer. Mas esta conversa tem lugar numa luminosa tarde de inverno de Lisboa, na Underdogs Art Store, café e extensão da galeria Underdogs, no Cais do Sodré, onde estão em exposição (e para venda) alguns trabalhos recentes com assinatura de Bráulio Amado. Não será um artista? “Sempre fui muito reticente em ser chamado artista, porque gosto muito de ser designer e de adaptar o meu estilo em função das necessidades de cada trabalho; e sou terrível a pintar na tela; gosto de trabalhar no computador e de imprimir numa escala gigante.” O facto de pertencer, também, ao universo das galerias de arte explica-se num movimento paralelo ao da street art e ao do graffiti (que o chegou a entusiasmar como adolescente da Margem Sul, “mas não tinha jeito nenhum”): são dois universos com a sua autonomia e habitats naturais, que fizeram um percurso em direção aos museus de arte contemporânea e ao circuito das galerias (a Underdogs é, aliás, o melhor exemplo disso em Lisboa).
Olhando para trás, Bráulio recorda que “o puto de Almada”, fascinado pela cultura punk/hardcore que ele foi, nunca imaginou “que poderia vir a pagar as contas fazendo capas para discos”. Mas o entusiasmo e alguns métodos, aparentemente, não mudaram assim tanto…
Uma vida a cores
O estilo direto, colorido e meio punk do design de Bráulio Amado espalha-se pelos mais diversos suportes e trabalhos
Capas de discos
Já assinou capas de discos (singles e álbuns) para Beck (Wow, em 2016, que lhe abriu muitas portas), Frank Ocean, Django Django ou os portugueses Xinobi e Moullinex. No ano passado, assinou quatro capas para outros tantos singles de Róisín Murphy (ex-Moloko)
Ilustração
Trabalho de capa (dedicada à cantora Janelle Monáe) para a The New York Times Magazine. Durante mais de três anos, Bráulio trabalhou como diretor de arte e ilustrador na revista Bloomberg BusinessWeek
Posters
A área em que se entrega, com mais liberdade, aos impulsos que vêm dos tempos de miúdo entusiasmado com o método punk “do it yourself”. Tem feito todos os posters da programação do clube de Brooklyn Good Room. Em Portugal, já assinou, entre muitos outros, um poster para o festival Indie Lisboa
Festivais
O Hypefest, em Brooklyn, em outubro de 2018, foi uma espécie de festival de marcas e de tendências de streetwear (organizado pelo blogue Hypebeast). Bráulio foi o responsável pelo espaço Adidas x BAD Studio (a sua marca: Braulio Amado Design Studio)