No seu livro A Era da Irracionalidade (1982), livro que gosto sempre de reler quando me sinto escurecer no que à minha profissão diz respeito, o seu autor, Charles Handy diz isto: Mais tarde cheguei à conclusão de que não aprendi nada na escola de que me lembre agora (…). Pois é! Vivo com esta preocupação constante. Para que serve concretamente o que ensinamos? Serão as aprendizagens consideradas essenciais verdadeiramente isso que pretendem ser? Como dar a volta aos conteúdos obrigatórios da disciplina de Português quando nem eu própria consigo explicar de forma convincente a utilidade prática da capacidade de identificar a função sintática do complemento oblíquo e do predicativo do sujeito numa frase? É claro que os mais puristas ficarão aos saltos quando lerem este texto. Tentem entender, por favor. O que eu quero mostrar-vos é que, perante trinta alunos que não sabem escrever Português, o que eu preciso mesmo é de, quando finalmente os consigo sentar e calar a todos, ter tempo para que eles escrevam e para que eu os consiga ensinar a escrever. E não resta tempo para muito mais…
Que importância desempenham certos conteúdos na qualidade de vida dos nossos jovens? Numa altura em que tanto se fala de autonomia e de flexibilidade curricular de forma a combater o insucesso, verifico com tristeza que esta será, a meu ver, mais uma falácia. Potencializar melhores aprendizagens implica inovação. Exige deixar para trás práticas antiquadas e totalmente desajustadas aos novos contextos em que vivemos. A ideia de que cada escola poderá vir a ter a liberdade de desenvolver o currículo localmente, organizando os tempos e os espaços soa-me bem. Mas para tal é preciso ter criatividade, equipas de gente virada para o futuro, gente que se dedique a tempo inteiro a apresentar uma proposta de gestão estratégica do currículo em conformidade com a especificidade da escola e do público que a frequenta. Não podemos autonomizar e flexibilizar o currículo de forma idêntica numa escola de Chelas e numa da Avenida de Roma.
Todos os dias regresso da escola com a sensação de que não conseguirei continuar por muito mais tempo alheia ao estado calamitoso da educação que temos. Cumpro tudo aquilo a que sou obrigada mas faço das tripas coração para que a “minha” escola e os “meus” alunos se reculturem todos os dias, procurando novas formas de debate, novos temas de discussão, ambicionando a irreverência que nos permita a todos, viver os dias de uma forma mais feliz e numa sociedade mais justa. Porém, esta sociedade não me ajuda neste intento. Todos os dias vejo aumentar a descrença dos jovens por um mundo melhor. Muitos deixaram de acreditar na justiça. Basta que lhes peça um texto sobre o tema e são os grandes exemplos de corrupção política e desportiva que imediatamente vêm à baila. E pouco mais.
A meu ver, a gestão curricular ocupa, neste contexto do mundo em que vivemos, uma centralidade inegável na medida em que permitirá, se a fizermos com eficácia criativa, relançar o elo entre a escola e a sociedade numa perspetiva de adequação aos seus destinatários, proporcionando, paralelamente às aprendizagens comuns a todos, uma diferenciação que pudesse colmatar as diferenças cognitivas e culturais dos nossos jovens.
Talvez assim não repetissem, um dia mais tarde, a frase de Charles Handy. De outro modo, parece-me difícil que a não repitam…