No início, lá bem nos primórdios da Humanidade, era pedra contra pedra até a faísca se tornar fogo. Agora, basta pressionar um botão, programar o horário ou clicar no telemóvel para ativar o aquecimento a madeira no lar doce lar. Um mimo em dias gélidos de inverno: ainda a escapar à hora de ponta, de regresso a casa, e já a sala está no ponto para nos receber à temperatura desejada.
Esta é uma mais-valia do uso de péletes como fonte de calor em salamandras, recuperadores ou caldeiras. Em vez de pinhas, acendalhas e fósforos, “armas” sempre à mão de quem combate o frio com os tradicionais troncos de madeira, a chama nos equipamentos a péletes acende-se com um simples gesto e à hora mais conveniente. Não há fumos nem cheiro a queimado, e basta uma saída para o exterior de extração de dióxido de carbono, não sendo exigível uma chaminé.Mas não é só por uma questão prática que estes pequenos cilindros de madeira prensada se afirmam como alternativa, cada vez mais popular, no aquecimento residencial em países do Hemisfério Norte, Portugal incluído. Neste campeonato, entram outros aparelhos igualmente fáceis de acionar, como os alimentados a gasóleo ou a gás natural, e é face a esta concorrência, dependente de combustíveis fósseis, que os péletes se posicionam com dois trunfos de peso: são mais baratos e produzem energia amiga do ambiente.
“Somos um país abençoado a nível de aquecimento, no sentido em que, durante nove meses, o Sol resolve o problema, mas o consumo de péletes tem vindo a crescer de ano para ano e já é muitíssimo importante”, nota João Baetas, diretor-geral da Glowood. Em 2016, a empresa de Santiago do Cacém, uma das 25 unidades de produção nacional, exportava mais de 95% do seu produto, em linha com as restantes. Dois anos depois, o mercado nacional já representa 35% do negócio. E não se limita ao uso doméstico: os sistemas a péletes já aquecem a água de piscinas municipais, a temperatura em lares e em aviários ou os fornos de restaurantes de leitões. “São uma solução cada vez mais utilizada em contextos de grande exigência energética”, sublinha João Baetas.
Da floresta, com certificado
“Todo o pélete é usado e, se mais houvesse, mais se consumia”, enfatiza João Ferreira, da Associação das Indústrias da Madeira e Mobiliário de Portugal, que recentemente absorveu a Associação Nacional de Péletes Energéticos de Biomassa. No inverno passado, mais frio do que os anteriores, houve consequências: o stock nacional para uso doméstico ressentiu-se da procura crescente e entrou em rutura.
Os péletes (por cá ainda comercializados como pellets, à inglesa) são feitos a partir de madeira desperdiçada pelas indústrias de serração e do papel, aproveitando ainda material recolhido na limpeza das matas. Depois de triturada e prensada, num processo com recurso a tecnologia de ponta, a madeira transforma-se num granulado de alto poder calorífico. Para ser devidamente certificado (com o selo EN Plus), o produto final não pode ter mais de 10% de humidade nem exceder níveis residuais de metais pesados, de modo a garantir que as partículas finas libertadas na queima não sejam nocivas para a saúde.
“Só a falta de matéria-prima pode limitar o crescimento deste mercado”, perspetiva João Baetas, rebatendo a ideia de que os incêndios florestais impulsionam a faturação da indústria de biomassa, ao proporcionarem uma disponibilidade maior de madeira. “A existir, o benefício é ilusório, até porque o excesso de oferta leva à queda de preços. Já para não falar no período de escassez que se segue”, argumenta. “É do nosso interesse que os pinheiros completem o seu ciclo de vida, de forma a aproveitarmos os desperdícios de madeira, a rondar os 40%, que resultam dos desbastes periódicos a que são sujeitos, essenciais para o seu desenvolvimento.” Os entusiastas dos péletes agradecem, porque o único fogo bem-vindo é mesmo aquele que lhes aquece a casa quando o inverno aperta.