Um ciclone devastador atingiu a ilha de Madagáscar, situada ao largo da costa sudeste do continente africano, em março do ano passado. Várias plantações de baunilha ficaram irremediavelmente destruídas. Já em 2016 o país tinha sido atingido por um tufão que dificultou a vida aos agricultores.
Ao contrário da intempérie, o preço desta especiaria ainda não deu tréguas e continua subir. Os motivos para a sua valorização não estão apenas relacionados com as fracas colheitas resultantes das tempestades.
Há seis anos, o preço do quilo da baunilha situava-se nos €42, quatro anos depois já chegava aos €340. Atualmente, ronda os €500, sensivelmente o mesmo preço de um quilo de prata.
O preço proibitivo da baunilha está a complicar a gestão económica de pequenos produtores de gelados, a BBC já noticiou que algumas geladarias londrinas retiraram este sabor da ementa, mas também gigantes do setor, como a norte-americana Baskin-Robbins, vieram dar conta da quebra dos lucros devido à valorização desta vagem.
Por isso, este verão poderá ser mais complicado encontrar gelados de baunilha à venda.
As “guerras da baunilha”
Cerca de 75% da produção mundial de baunilha está concentrada em Madagáscar. As plantações tornaram-se tão valiosas que os agricultores têm sido vítimas de assaltos violentos, ao ponto de exigirem proteção policial e de criarem as suas próprias milícias de defesa.
O jornal britânico The Guardian relatava, há um mês, o episódio de cinco assaltantes mortos à paulada e à facada por uma multidão em fúria na vila costeira de Anjahana, em Madagáscar, depois de sucessivos assaltos. Já do lado dos agricultores, dezenas terão sido mortos em troca das suas valiosas colheitas.
Além de alimentar a violência, o aumento do preço da baunilha também está a pôr em risco a floresta do país, uma vez que parte dela está a ser destruída clandestinamente para dar lugar ao cultivo da especiaria.
A especulação em torno da baunilha também serve a lavagem de dinheiro originário do tráfico de madeira de pau-rosa (jacarandá) oriundo de Madagáscar.
O ativista Clovis Razafimalala, cofundador da organização de defesa da floresta Coalition Lampogno, denunciou a conivência de empresários e políticos do país no comércio ilegal de pau-rosa, destinado, sobretudo, ao mercado chinês, que terá especial apetite por esta madeira dura e resistente, muito utilizada no mobiliário.
A acusação valeu-lhe uma pena de cinco anos de prisão, mas foi libertado ao fim de dez meses, em setembro do ano passado, devido à pressão internacional de organizações de defesa dos direitos humanos como a Amnistia Internacional.
Inflação artificial
O ativista acusa, ainda, os mesmos criminosos de estarem a contribuir para o aumento do preço da baunilha. Com dinheiro fresco no bolso, compram a baunilha mesmo a preços elevados, e contribuem ainda mais para a sua valorização ao provocarem uma diminuição artificial da oferta.
A pressão da procura e da criminalidade está a levar os agricultores a colherem as vagens antes da maturação, que só acontece ao fim de nove meses. A colheita prematura diminui a qualidade do produto, até porque o seu aroma distintivo só se manifesta nas últimas semanas, sendo o sabor da baunilha de Madagáscar o mais bem cotado no mercado.
A baunilha é extraída das orquídeas da espécie Vanilla Planifolia, que demoram três anos a dar fruto, sendo que cada flor só produz uma vagem.
Além de ser especialmente usada nos gelados, a baunilha também é um ingrediente recorrente na pastelaria e sobremesas, nas bebidas alcoólicas e em produtos cosméticos e perfumes.
A subida do preço da baunilha deverá levar a indústria a aumentar o consumo de vanilina, um aromatizante sintético extraído da madeira e até do petróleo.