Se as paredes decrépitas do Bolhão fossem de carne e osso delas sairiam, por esta altura, lágrimas e sorrisos à mistura. São esses os sentimentos contraditórios que atravessam o mercado nos seus últimos dias de existência, tal e qual o conhecemos. Sábado, 28, este ícone das tradições e do quotidiano da cidade do Porto despede-se da sua história centenária (o atual edifício foi inaugurado em 1914) e abraça um futuro temporário, a partir de 2 de maio, na cave de um centro comercial. Ao todo, serão 67 os comerciantes a transitar para o novo local provisório até regressarem, lá para 2020, ao mercado renovado, cujo projeto de reabilitação, respeitador da traça original, foi entregue ao arquiteto Nuno Valentim, distinguido com o prémio Teotónio Pereira pela remodelação dos Albergues Noturnos do Porto. Na maioria, os inquilinos do mercado farão esta transição com alívio, dado o estado de degradação avançada em que se encontra o Bolhão. “Já devíamos ter saído daqui há uns dez anos. Vamos para um espaço muito bonito, está tudo muito bem arranjado, mas sempre a pensar no regresso”, reconhece Maria Olinda, de 63 anos, dona de uma salsicharia. “Fui criada no mercado e aqui aprendi tudo o que sei da vida. Os laços que criei são os mesmos de uma família”, assume, emocionada.
Outros, entretanto, foram arrumando e empacotando os seus haveres. Fizeram-no arrastados, entre lágrimas e abraços, como se adiassem a passagem do tempo. Já não voltam.
Ainda assim, o Bolhão resiste.
Amanhecem todos os sons, cores, cheiros e afazeres de um quotidiano que, durante décadas, marcou os ritmos e as sobrevivências da cidade, agora marcado por vozes e línguas provenientes de geografias variadas. “É o que nos salva!”, asseguram comerciantes referindo-se aos turistas que, todos os dias, estão em maioria absoluta nos corredores e barraquinhas do Bolhão. Topam a tudo: especiarias, frutas, artesanato, pão “saloio”, broa, compotas, toalhas e panos de cozinha costurados com imagens e motivos da cidade, enquanto bebericam sumos ou cálices de “Vinho do
Porto” acompanhados de lascas de queijo e presunto, ou se fotografam, vencida a desconfiança, à volta de pratinhos de tripas enfarinhadas.
O mercado é ainda, para muitos, o estado de alma de uma cidade e das suas gentes, o mesmo que habita as imagens e vozes captadas pela VISÃO ao longo de vários dias. São rostos, memórias, alegrias e afetos, mas também palavras sufocadas pelo choro. Como se dissessem “até sempre, Bolhão”. Ou até já.