As mentiras de Trump, o sexismo em Hollywood, a sua carreira cinematográfica. Estes foram alguns dos temas abordados pela cantora Barbra Streisand na longa entrevista concedida à edição deste mês da revista Variety. Mas nenhum deles despertou tanta curiosidade como o facto de a também atriz ter revelado que clonou a sua cadela, falecida no ano passado, não uma, mas duas vezes.
As cachorras Miss Violet e Miss Scarlett, da raça Coton de Tulear, são o resultado da clonagem de Samantha, que viveu 14 anos com a cantora. Antes de o animal morrer, foram-lhe retiradas células da boca e do estômago, já com o objetivo de o duplicar.
“Estou à espera que as cadelas cresçam para perceber se têm os mesmos olhos castanhos e a mesma seriedade [da Samantha]”, afirma Streisand na entrevista.
O presidente da Comissão de Ética da Faculdade de Medicina Veterinária, Luís Telo da Gama, compreende que a expetativa das pessoas “seja satisfazer o desejo de manter a ligação com o animal que já morreu mas”, esclarece, “isso é uma ilusão”.
O bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV), Jorge Cid, também deixa um alerta a quem fantasia com esta possibilidade: “A clonagem cria um animal morfologicamente igual, mas a personalidade pode ser completamente diferente”.
A questão da clonagem de animais de companhia nunca foi levantada na OMV e o bastonário não tem conhecimento de que se faça em Portugal. “À partida, teríamos capacidade científica para o fazer, mas o processo é dispendioso. Não há mercado para isso”, acredita.
Luís Telo da Gama explica que a lei europeia “só permite a clonagem em contexto de investigação e não para fins comerciais”. Por isso, clonar um animal de estimação em Portugal seria ilegal.
Dilemas éticos
Na sequência da revelação de Streisand, a organização de defesa dos direitos dos animais Peta veio apelar às “celebridades” para deixarem de clonar os seus animais de estimação. “Todos queremos que os nossos cães vivam para sempre mas, apesar de parecer uma boa ideia, a clonagem não o permite”, escreveu a presidente da instituição, Ingrid Newkirk. “Se considerarmos que há milhões de cães a definharem em canis ou a morrerem de formas terríveis quando são abandonados, percebemos que a clonagem só agrava o problema dos animais sem casa”.
Luís Telo da Gama, também docente de Genética, está de acordo: “Com a quantidade de animais que há nos abrigos, faz mais sentido adotar do que clonar.”
O jornalista John Woestendiek, autor do livro Dog, Inc, precisamente sobre a clonagem destes animais de companhia, levanta outra questão ética. Quantos cães são precisos para criar um clone? Além do animal “original”, é necessário recolher óvulos de mais uma dúzia de cães e, a seguir, uma cadela tem de levar a gravidez a termo. “São demasiadas cirurgias e demasiados cães”, escreve o vencedor de um Pulitzer, um dos mais prestigiados prémios de jornalismo.
O presidente da Comissão de Ética da Faculdade de Medicina Veterinária partilha a mesma preocupação: “O processo não é totalmente eficaz. Os embriões não vingam todos e alguns nascem com deficiências.”
O processo de clonagem implica a recolha de uma amostra de tecido – com o animal vivo ou até alguns dias após a sua morte – do qual são retiradas células vivas, multiplicadas ao longo de uma ou duas semanas. O núcleo do óvulo da cadela dadora é removido e substituído por este material genético. Um choque elétrico estimula a divisão das células. O óvulo é, depois, implantado no útero do animal. Um em cada três embriões resulta num cachorro saudável.
Capricho milionário
O primeiro cão duplicado com sucesso foi um Galgo Afegão, chamado Snuppy, nascido na Coreia do Sul, em 2005 – quase uma década depois da clonagem da ovelha Dolly. O cão viveu uma década, sendo a esperança média de vida desta raça 12 a 14 anos.
Os sul-coreanos são líderes na clonagem de cães, através da Sooam Biotech Research Foundation terão duplicado mais de 600 animais em quase dez anos. O seu principal concorrente é uma empresa do Texas, nos EUA, a ViaGen, que clonou o primeiro cão em solo norte-americano em 2016.
A concorrência fez descer o preço da clonagem de um cão para metade, ou seja, de 100 mil dólares (82 mil euros) para 50 mil dólares (41 mil euros). Clonar um gato fica-se pelos 25 mil dólares (20,5 mil euros).
O bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários confessa que “não optaria pela clonagem”. Jorge Cid defende que “as pessoas estão no seu direito, se respeitarem o bem-estar animal”, mas não resiste a falar numa “moda” ou “capricho”.
Afinal, a terceira cadela de Streisand, uma prima afastada da falecida Samantha, não será assim tão diferente dos dois clones milionários.
Notícia atualizada às 12h30 com as declarações do presidente da Comissão de Ética da Faculdade de Medicina Veterinária, Luís Telo da Gama.