Antes de avançar para o próximo parágrafo, veja a fotografia de Hugo Palos Pires com o seu marido, Bruno Malveiro. Ele está de long sleeve preta e sorriso na cara, naturalmente contente por poder mostrar a mais uns milhares de pessoas um par de cuecas da marca Much underwear, que ambos criaram há dois anos e meio a pensar no público gay. Pedimos-lhe isto, caro leitor, porque ver a cara das pessoas ajuda a fixar o que dizem, e aquilo que Hugo diz merece ser recordado: “Segregação? Eu acredito na congregação.”
As cuecas da Much são fabricadas no Norte de Portugal e vendem-se online (85% para o estrangeiro). Os prémios atribuídos por blogues internacionais têm ajudado o negócio, mas as parcerias podem ser uma maneira de fazer crescer ainda mais as vendas que nunca pararam de aumentar. Se pensarmos que uma congregação é um grupo de pessoas reunidas para um determinado propósito ou atividade, então a Variações vai dar muito que fazer à fábrica em Santo Tirso onde são feitas. Trata-se da Associação de Comércio e Turismo LGBTI de Portugal, apresentada formalmente esta quinta-feira, 11 de janeiro.
“Como a maior parte dos homens homossexuais não tem filhos, sobra-lhes dinheiro para gastar”, lembra Hugo. “E gostam de gastar neste tipo de coisas.”
Os membros da comunidade LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgéneros e Intersexo) são em geral dink, um acrónimo em inglês que surgiu nos anos 80 para designar os casais em que ambos trabalham e não têm filhos (Dual Income No Kids). Sobra-lhes dinheiro para gastar e não apenas em roupa interior, claro. É aqui que entra Diogo Vieira da Silva, diretor-executivo da Variações. Licenciado em comércio internacional, ativista desde os 16 anos e coordenador europeu do It Gets Better (projeto que combate a discriminação e o bullying homofóbico), foi ele quem primeiro se mexeu para criar uma associação que representasse negócios direcionados para o público LGBTI.
Certo é que se trata de uma comunidade com um grande poder económico – e crescente, nota Diogo. “A partir do momento em que há mais visibilidade, surgem mais negócios. Não precisamos de reinventar a roda e nem sequer de mais turistas, só queremos que gastem mais. Segundo a Organização Mundial do Turismo, 10% do fluxo anual de viajantes é LGBTI, ou seja, são dois milhões de turistas que vêm a Lisboa. São 10%, mas representam mais de 15% de faturação do setor.”
Uma rede com mais oportunidades
O diretor-executivo da Variações não tem dúvidas de que Lisboa já é um destino turístico gay. “Tornou-se uma cidade muito afável, com homens bonitos e a praia 19 mesmo aqui ao lado.” Foi precisamente por essa praia da Costa da Caparica que começaram os tours da Lisbon Beach, um operador em que os colaboradores pertencem todos à comunidade gay. Mas rapidamente os passeios se estenderam a Lisboa e a Sintra e Cascais, nestes casos numa abordagem histórica, diz o atual proprietário, Diogo da Cunha Matos.
As dicas sobre a “cena gay“ noturna acabam por ser dadas durante os passeios, conta este licenciado em Relações Internacionais, para quem a cidade mudou muito nos últimos seis anos. “A comunidade estava fechada em determinados locais geográficos. A coisa corria bem no Príncipe Real, no Bairro Alto e mais nada, mas entretanto a mentalidade mudou.”
Apesar disso, Hugo Palos Pires, o dono da Much, justifica a necessidade de uma organização como a Variações: “Enquanto uma pessoa da comunidade não se sentir à vontade numa discoteca dita heterossexual”, exemplifica, “é necessário existir uma associação como esta.” Mas é no campo dos negócios que este geólogo de formação vê, “sem sombra de dúvida”, a vantagem da Variações. E basta-lhe contar o que aconteceu após a assembleia-geral constituinte, em novembro.
A reunião fora convocada para o Finalmente Club, na Rua da Palmeira, em Lisboa. Era de tarde, o emblemático bar do Príncipe Real estava fechado, e bastou um olhar em volta para Hugo concluir que não conhecia quase ninguém. E, no entanto, dos membros da direção aos restantes empresários presentes, era tudo gente da comunidade – do dono da guesthouse lisboeta para gays The Late Birds, Carlos Sanches Ruivo, que assume a presidência da Variações, aos suplentes, Luma Amorim, representante da dupla de DJ Sindykatz, e Misha Pinkhasov, que trabalha na área da comunicação e de produtos de luxo, passando pelo dono do Finalmente, que ocupa a vice-presidência, e por Sara Correia, representante da discoteca portuense Zoom, diretora da associação. “Entretanto, com as poucas reuniões que tivemos, ganhámos mais possibilidades de estabelecer parcerias.”
EuroPride em Lisboa?
Para Diogo Vieira da Silva, havia um “défice no mercado”. Fez, então, uma proposta a Carlos Sanches Ruivo, com quem trabalha, para se criar uma entidade que apresentasse o setor e Portugal como um mercado potencial para o turismo LGBTI. Há um ano, os dois levaram a ideia a outros empresários da zona do Príncipe Real e do Bairro Alto [em Lisboa] e houve um consenso imediato. O nome – Variações – também lhes pareceu perfeito. “Há uma inspiração no artista [António Variações] e representa o nosso segmento, que é uma variação do mercado. A variação não é muita; por vezes tem a ver com a maneira como se comunica, como se cria uma ligação com o cliente.”
Não foi por acaso que o portal imobiliário Nestpick colocou Lisboa em 15º lugar numa lista de 100 cidades gay-friendly, em 2017, mas agora está na hora de criar uma estratégia concertada para a capital e para o País. “Na página 58 do documento Estratégia Turismo 2027, do Turismo de Portugal, lê-se: ‘Promover Portugal como destino LGBTI’ e nós queremos dar resposta a este eixo prioritário, ajudar a pôr Portugal no mapa”, diz o diretor-executivo da Variações. “Queremos promover uma candidatura para receber o EuroPride 2021. É um evento que tem um grande retorno financeiro para as cidades, traz mais gente do que a Web Summit.”
Não é exagero de ativista. Em julho, Madrid recebeu mais de um milhão de visitantes só no fim de semana do EuroPride (que no ano passado coincidiu com o WorldPride e durou dez dias). A um outro nível, mesmo o Arraial Pride, organizado pela ILGA Portugal, em parceria com a Egeac, e que faz parte das Festas de Lisboa, junta mais gente do que alguns festivais de música, sublinha a produtora, Maria Ravasco. “Segundo as últimas estatísticas disponíveis, em 2015 o Super Bock Super Rock teve 56 mil pessoas nos três dias e nós ultrapassámos as 60 mil durante as doze horas do evento.”
Ainda há, porém, muito que fazer, nota a mesma responsável, para quem é “importantíssimo” o surgimento de uma associação como a Variações. “São as marcas e as empresas que trazem mais visibilidade à causa e anda existe muito preconceito. Temos empresas que nos pedem para não aparecer no cartaz!”
Talvez por atuarem com frequência no estrangeiro, Mariana de Carvalho e Luma Amorim, as duas DJ que formam as Sindykatz, olham para o panorama português e veem a “necessidade latente” da Variações “também para regulamentar e garantir melhor qualidade de vida através de mais condições de trabalho e direitos”. É igualmente nesse sentido que Diogo Vieira da Silva vai avisando que a associação não irá ficar só pelo turismo. “Queremos criar um Comité Empresarial para a Diversidade e Inclusão LGBTI no Trabalho, constituído por grandes empresas que queiram ter políticas para a diversidade.” Tudo pela congregação.
As 20 cidades mais ‘‘gay-friendly’’
Os critérios para este ranking do portal imobiliário internacional Nestpick são a vida noturna animada, a mente aberta dos habitantes, os baixos índices de crimes de ódio, os direitos LGBT e a “cena gay” palpitante
1 Madrid Espanha
2 Amesterdão Holanda
3 Toronto Canadá
4 Telavive Israel
5 Londres Reino Unido
6 Berlim Alemanha
7 Brighton Reino Unido
8 Barcelona Espanha
9 Nova Iorque EUA
10 São Francisco EUA
11 Paris França
12 Montreal Canadá
13 Manchester Reino Unido
14 Melbourne Austrália
15 Lisboa Portugal
16 Viena Áustria
17 Vancouver Canadá
18 Sitges Espanha
19 Copenhaga Dinamarca
20 Bristol Reino Unido
Fonte: As 100 Melhores Cidades LGBT em 2017, Nestpick