Nascido e criado em berço de ouro no Upper East Side de Nova Iorque, Ronan-Satchel Farrow poderia ter sido um príncipe de Hollywood porque quem sai aos seus nem sempre degenera. Afinal, é neto do grande realizador australiano John Farrow e da atriz irlandesa Maureen O’Sullivan, a famosa Jane nos filmes de Tarzan. E, como se não bastasse, é ainda filho de uma das mais carismáticas e polémicas duplas do cinema americano, Mia Farrow e Woody Allen.
Só que o jovem Ronan, agora com 29 anos, sempre quis fugir às tradições familiares, sobretudo aos casos de alcoolismo, adultério e outros escândalos em que o clã se tornou pródigo. Quando ainda era menino já tinha direito a psiquiatra pessoal porque não era fácil viver com progenitores “desequilibrados” e que acabariam por divorciar-se de forma traumática. Em 1992, a mãe descobriu que Woody Allen guardava fotos de uma das suas irmãs adotadas, Soon-Yi, nua. Com menos 35 anos do que o cineasta, a jovem nascida na Coreia do Sul acabou por casar com o criador de Rosa Púrpura do Cairo e ambos permanecem juntos. Algo que Ronan nunca aceitou de bom grado: “O meu pai casou com a minha irmã. Isso faz com que eu seja o seu filho mas também seu cunhado. Trata-se de uma enorme transgressão moral”.
Uma declaração que ganharia novo sentido quando, em 2014, outra das suas irmãs, Dylan Farrow, assinou um texto no New York Times em que acusava Allen de a molestar desde criança.
A partir daí, Ronan não perde oportunidade para usar as luzes da ribalta para levantar suspeitas sobre a cultura de silêncio que protege os poderosos da indústria do entretenimento. E escusado será dizer que ele sabe muito bem como o fazer.
Há dois anos, abordou o assunto na revista The Hollywood Reporter, onde manifestou igualmente indignação com o facto de Woody Allen ter desfilado mais uma vez pela passadeira vermelha do Festival de Cannes sem que ninguém o incomodasse “com uma única pergunta” sobre o seu alegado comportamento pedófilo.
No início de outubro, demonstrou mais uma vez que não recua perante quem quer que seja. Após 10 meses de investigação, tentou convencer a cadeia televisiva NBC a emitir um documentário sobre os abusos de Harvey Weinstein. O canal recusou por entender que não havia provas suficientes para o incriminar. O jornalista com ar de playboy que já tinha assinado vários ensaios e artigos de opinião para publicações como Wall Street Journal, The Atlantic e Foreign Policy, não se fez rogado. Bateu desta vez à porta da revista New Yorker e o que aconteceu a seguir já todos sabemos. Uma história que pode até nem ter um final feliz porque não é garantido que alguma vez Harvey Weinstein tenha de responder perante a justiça.
Quanto ao miúdo prodígio que aos 15 anos concluiu estudos universitários (de biologia e filosofia) no Bard College, que aos 21 já possuía o canudo de Direito tirado em Yale e que aos 24 era diplomata ao serviço da Administração Obama, ainda vamos ouvir falar muito dele. Quanto mais não seja pelo sentido de humor deste ativista cujo pai biológico pode não ser Woody Allen mas Frank Sinatra, com quem Mia Farrow viveu mais de uma década. Um exemplo? “O Irão vai deixar de enriquecer urânio quando nós, americanos, deixarmos de enriquecer as Kardashian”…
Artigo publicado na VISÃO 1285 de 19 de outubro