São nove e meia da manhã quando meia dúzia de pessoas, vestidas de neoprene e com boias de sinalização agarradas aos pés, saem da água. Estão há uma hora a atravessar a praia de Caxias, Oeiras, a nado, em braçadas ritmadas e certeiras. Fazem isto quase todos os dias, antes de irem trabalhar. Apesar do sol e da pasmaceira de um mar quase parado, é difícil entender como é que alguém se levanta da cama para se enfiar numa água a 19 graus (num dia bom) e ficar ali a nadar de um lado para o outro. Às vezes, ao final do dia, voltam a pôr o corpo a mexer, para correr ou andar de bicicleta.
“A gente gosta disto”, diz Ricardo Lacerda, 44 anos, enquanto se calça. O gestor regional da empresa Infraestruturas de Portugal tenta assim justificar o que o faz levantar-se às seis e meia da manhã, atravessar a ponte, vir nadar a Caxias, para depois regressar à Margem Sul, onde o espera um dia de trabalho intenso. Há quem venha de Alverca, de Cascais, de Lisboa. E cada vez são mais. Apesar de a água não ser da melhor qualidade (numa zona de foz que mistura rio e mar), a praia de Caxias tornou-se no ponto de encontro dos praticantes de triatlo da região de Lisboa. A modalidade que agrega três desportos – corrida, ciclismo e natação – tem vindo a ganhar adeptos em Portugal, à semelhança do que se passa um pouco por toda a Europa. Chegam a ser uns trinta dentro de água.
Do grupo faz parte Miguel Carneiro, 34 anos. Discreto, são os companheiros de treino que chamam a atenção para o seu feito: foi o primeiro português a conseguir completar um triplo Iron Man. Nadou 11,4 km, pedalou 540 km e correu 126,6 km. Em 51 horas, com apenas três pausas de meia hora cada. No final, depois de ter cortado a meta, ainda fez mais 22 km de bicicleta, o número que faltava para completar os 700 km e que corresponde aos anos de existência da Marinha portuguesa, de que faz parte.
Um novo negócio
A popularidade do triatlo nota-se na quantidade de provas para amadores que hoje existem e nos resultados que os portugueses têm vindo a obter nas competições internacionais.
Quase todos os adeptos do triatlo foram praticantes de desporto toda a vida. Vêm normalmente da corrida ou do BTT. Quando passam dos trinta, começam a procurar novos desafios, em que o que mais valorizam é a resistência.
Para Pedro Conceição, 44 anos, a origem de tudo foram as bicicletas. Começou a interessar-se pelo triatlo, e num dia em que tentou comprar equipamento para a mulher, também praticante, deu a volta a todas as lojas de desporto e não encontrou o que precisava. Foi aí que decidiu deixar a atividade de designer de equipamentos e abrir um espaço totalmente dedicado à modalidade.
Já lá vão quase dois anos e os clientes não param de chegar, vindos de todo o País. Pedro Conceição e a sua loja Tri-It, em Algés, passaram a ser um ponto de encontro para quem quer começar ou para quem já pratica a modalidade e quer aperfeiçoar-se, ou apenas conversar sobre o assunto. “O mais importante é as pessoas divertirem-se. É sempre este o conselho que dou.”
Pedro também dinamiza uma página de Facebook, com mais de 600 membros, que serve de ponto de encontro para combinar treinos conjuntos, acertar fins de semana de provas e, claro está, marcar jantaradas, que não pode ser só sofrer. “Todas as semanas me aparece na loja uma pessoa que pretende começar a praticar a modalidade”, conta. Nestes casos, acaba por fazer o papel de treinador. Empresta material e oferece-se para acompanhar um treino na água.
Na loja, há material novo, mas também em segunda mão. É inevitável que quem começa a praticar e se entusiasma queira ir melhorando nos equipamentos. “Há clientes que chegam a gastar dois a três mil euros de uma só vez”, revela Pedro Conceição.
Nuno Malcata, 36 anos, engenheiro informático, é um dos frequentadores habituais da Tri-It. Toda a sua vida praticou desporto. Natação, basket, ténis, BTT, até aterrar na corrida. Chegou a fazer maratonas. Mas do que gostava mesmo era dos trilhos, de andar perdido na montanha. Só que a corrida traz sempre muitas lesões e, ao fim de um tempo, fica a sensação de que falta qualquer coisa. “Quem vem para o triatlo procura novos desafios e, ao mesmo tempo, está a tentar complementar o trabalho físico, num desporto mais abrangente.” Neste momento, o seu grande desafio é aprender a nadar no mar.
Nos treinos em grupo, os elementos mais fortes numa modalidade ajudam os outros. Helena Resende, 36 anos, começou há pouco tempo, mas já pensa no Iron Man. O seu grande objetivo é acabar. Treina duas horas, todos os dias. “Noto que, desde que comecei no triatlo, tenho mais resistência cardíaca e também muscular.” Encara-o como uma prova de superação física e psicológica, que obriga a uma boa dose de disciplina. Sem nunca esquecer a componente do prazer. “Não se pode fazer disto uma prisão”, sublinha. Mesmo que, aos olhos de quem observa na areia, aquelas braçadas na água fria pareçam uma requintada forma de tortura
Artigo publicado na VISÃO 1279 de 7 de setembro