“Vocês veem as coisas como elas são e perguntam-se: porquê? Eu sonho com coisas que nunca foram e digo: porque não?” A frase do escritor irlandês George Bernard Shaw reflete o pensamento irreverente de Sabrina Gonzalez Pasterski, uma jovem física norte-americana de origem cubana com um currículo impressionante. Sobretudo aos 24 anos.
Depois de se ter graduado em Física, com a nota máxima, no prestigiado Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge, Sabrina é atualmente estudante de doutoramento na vizinha, e não menos requisitada, Universidade de Harvard. Aliás, o início das aulas foi o motivo invocado para justificar a sua indisponibilidade para conversar com a VISÃO. Numa mensagem de correio eletrónico pontuada por vários smiles, Sabrina remete para a sua rudimentar página de internet – physicsgirl.com – recheada de informação sobre a sua vida académica e a cobertura mediática de que tem sido alvo. A cientista aproveita para deixar um alerta: “[circulam] vários artigos baseados em entrevistas falsas dadas através do Facebook, Instagram e Twitter”. Na verdade, é impossível contactá-la através deste tipo de perfis. A jovem millennial (geração nascida entre o início dos anos 80 e os anos 2000) não tem qualquer conta nas redes sociais.
Os pais nunca lhe disseram haver impossíveis e, por isso, o seu limite sempre foi o infinito. Aos 10 anos, começou a construir o seu próprio avião, motivando o pai, advogado e engenheiro eletrotécnico, a tirar o curso de pilotagem. Quatro anos depois o avião estava pronto. Começava a batalha jurídica para o pôr no ar às mãos de uma piloto tão jovem. Seria o seu pai a fazer o voo de teste, mas Sabrina conseguiu autorização para pilotar aos 16 anos. “Não tinha carta de condução, mas era piloto de testes!”, conta na sua página, orgulhosa da façanha.
Foi quando apresentou o seu avião num concurso de maquetas que descobriu o mantra da sua vida. Um professor perguntou-lhe o que andava a fazer depois de ter construído o avião. E Sabrina gelou. “Desde esse momento, penso sempre no que tenho feito ultimamente e tenho sempre um objetivo, nunca fico sem metas para alcançar”.
O arrojo na construção do avião ajudou a desbloquear a sua entrada no MIT, que inicialmente a colocou em lista de espera. O vídeo disponibilizado no YouTube, no qual documenta a sua aventura aérea, terá ajudado a convencer os professores de topo da instituição, assim como os vários Nobel que intercederam a seu favor. Não ter sido imediatamente aceite foi um golpe que transformou em motivação. “Quando as pessoas duvidam de nós, tomamos consciência de que precisamos de nos esforçar mais.” Os bons resultados académicos garantiram-lhe bolsas de várias fundações. E frequenta Harvard gratuitamente.
Na mira de Hawking e Bezos
A paixão pela conquista espacial manifestou-se desde cedo. Sabrina continua a alimentar o sonho de levar alguém a Marte. “Sei que soa inviável, mas se trabalharmos, tudo pode ser possível.” O entusiasmo valeu-lhe uma oferta de emprego – à sua espera até acabar a formação – de Jeff Bezos, fundador da Amazon e da empresa aeroespacial Blue Origin, onde Sabrina sempre sonhou trabalhar. Curiosamente, foi a paixão do empresário norte-americano pelo espaço que a inspirou a seguir a área da Física e não os seus “heróis cientistas”, como o físico Leon Lederman ou o químico Dudley Herschbach. As suas áreas de investigação são os buracos negros, a natureza da gravidade e a relação espaço-tempo, focando especialmente o fenómeno da gravidade quântica, que pretende explicar a gravidade no contexto da mecânica quântica. Sabrina sintetiza a sua missão de forma simples: “Encontrar a elegância no meio do caos.”
A atenção mediática dirigida à jovem investigadora aumentou exponencialmente, no ano passado, depois do cientista Stephen Hawking – num texto em coautoria com o orientador de tese de Sabrina – ter citado um dos seus artigos científicos, contribuindo para o epiteto de “nova Einstein”.
O presidente do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, Mário Pimenta, 60 anos, considera “descabido e mesmo contraproducente” chamar-lhe a “nova Einstein”. O também professor do Instituto Superior Técnico nunca tinha ouvido falar de Sabrina, mas depois de uma rápida pesquisa ficou impressionado com o currículo da jovem investigadora – “excelente para a idade”. No entanto, “ela está numa área de investigação central na Física, onde há muitos e excelentes físicos, vamos ver daqui a alguns anos se, e quem, fará alguma mudança de paradigma.” Afinal, “para se ser a nova Einstein tem-se, de alguma forma, de fazer uma contribuição que mude algum paradigma, o que até agora não aconteceu. Mas obviamente pode vir a acontecer, e seria excelente!”.
Sabrina sentiu-se mesmo obrigada alterar o título de um dos artigos jornalísticos partilhados na sua página, em vez do original “Esta millennial pode ser a próxima Einstein”, escreveu “Esta millennial é a Sabrina”.
À procura de génios
Também o Físico português João Magueijo foi apelidado de “novo Einstein” quando começou a desenvolver a Teoria da Velocidade Variável da Luz (hipótese segundo a qual a velocidade da luz terá variado ao longo do tempo). Aos 50 anos, o professor do Imperial College de Londres confessa nunca se ter deixado afetar pelo interesse mediático. Apesar de não ter ouvido falar de Sabrina Pasterski antes, apenas do seu orientador de doutoramento, Andrew Strominger, não deixa de assinalar o seu “belo início de carreira”. A experiência diz- -lhe que “de dois em dois anos fala-se do próximo Einstein”, o que só é grave se “provocar danos” no alvo das altas expectativas. “Diz-se que há um novo Einstein e vai toda a gente atrás, isso significa que a comunicação científica está a falhar. A imprensa vai atrás de histórias e não do que é relevante cientificamente”, critica. João Magueijo nota que, habitualmente, “os melhores alunos a fazer exames são os piores a fazer investigação, mas”, remata, “esse não parece ser o caso de Sabrina”.
Considerada uma das cientistas mais promissoras com menos de 30 anos pela revista Forbes em 2015, e novamente este ano, admite ter relegado a vida amorosa para segundo plano e confessa nunca ter provado uma bebida alcoólica ou fumado um cigarro. “Prefiro estar alerta”, disse numa das suas raras entrevistas, “mas espero ficar conhecida por aquilo que faço e não por aquilo que deixo de fazer”, acrescentou, encerrando o assunto. A sua perdição é o chocolate, revelou ao jornal da cidade onde nasceu e cresceu, o Chicago Tribune. Surpreendentemente, é motard desde os 16 anos – hoje guia uma veloz Honda CBR300R. “Todos os físicos deveriam aprender a guiar uma mota. Dá-nos uma certa intuição física, tal como pilotar um pequeno avião”, defende.
Recentemente, acrescentou um novo dado à biografia, disponível na sua página de internet – a 29 de julho bebeu a sua primeira chávena de café. A mesma biografia termina com uma mensagem que se esforça por passar, apesar do evidente à-vontade sob as luzes da ribalta: “Sou apenas uma estudante. Tenho muito para aprender. Não mereço a atenção”.