Se queremos saber como nos devemos comportar ao sol, basta olhar para o que fazem os animais. Expõem-se na primavera, outono e inverno e escondem-se no verão, nas horas de maior calor. Com este conselho simples, o dermatologista Osvaldo Correia resume todas as recomendações relacionadas com o risco dos ultravioleta, uma parte da radiação solar associada ao cancro da pele e ao envelhecimento precoce.
Membro da Sociedade Portuguesa de Cancro Cutâneo, o médico não se cansa de promover as mensagens de proteção. Todos os verões, há uma mensagem principal. Este ano, a sociedade está preocupada com a exposição profissional e ligada ao desporto – trabalhadores da construção, jardineiros, nadadores-salvadores e também jogadores de ténis, futebolistas, praticantes de atletismo. E ainda com o tipo de protetores solares usados. “Não precisam de ser uma pasta, mas convém que tenham alguma espessura. O recomendado são 2mg por centímetro quadrado de pele”, aconselha o médico.
Também é preciso ter atenção à exposição solar nos meses fora da estação “oficial” do verão, quando a pele não está minimamente preparada. “No mês de junho, por exemplo, tivemos níveis de radiação muito elevados (10/11). As pessoas podem e devem consultar o valor deste índice no site do Instituto de Meteorologia e ajustar os cuidados a ter, tendo em mente que a exposição deve ser limitada, gradual, ao início e ao final do dia.”
Falhas nos testes
Apesar de entre os dermatologistas e os médicos em geral não haver qualquer dúvida em relação aos riscos do sol, começaram a surgir suspeitas de que estaríamos a sofrer consequências de uma vida dentro de portas, no início dos anos 2000. Nesta altura, multiplicou-se a literatura científica sugerindo uma epidemia de défice de vitamina D (uma vitamina solúvel em gordura e que tem a função de fixar o cálcio nos ossos), resultante, supostamente, de falta de exposição solar.
A vitamina D tem duas origens: pode ser produzida pelo contacto dos raios ultravioletas com a pele ou então pelos alimentos ingeridos. Uma alternativa à comida, como fonte de vitamina D, são os suplementos, que se tornaram moda nos EUA há mais de uma década. A Portugal chegou em força há dois ou três anos. Numa reportagem recente da SIC, dava-se conta de que os encargos com a prescrição de vitamina D quintuplicou em apenas dois anos. Contava-se ainda que dois estudos, feitos à população portuguesa, apontavam resultados contraditórios: num deles, a maioria das pessoas apresentava falta de vitamina D; no outro, para a mesma população, usando uma técnica de medição diferente, os resultados eram exatamente os opostos. “Ainda não sabemos bem como avaliar os níveis de vitamina D adequados”, considera Osvaldo Correia.
A vitamina D é, na verdade, uma hormona – e como tal deve ligar-se a recetores celulares específicos, sendo que a maior parte das células e órgãos do corpo humano tem um recetor para a vitamina D. Isto explica a grande variedade de doenças que têm sido associadas à insuficiência da mesma, em estudos epidemiológicos. No entanto, continuam a faltar estudos que demonstrem uma inequívoca relação de causa/efeito, ou seja, que é este défice a desencadear as patologias. Até porque quando se faz suplementação não se registam benefícios claros. “O que se tem vindo a perceber é que algumas pessoas poderão ter um problema precisamente ao nível destes recetores e, neste caso, suplementar ou aumentar a exposição solar de nada serve”, esclarece o médico.
António Vaz Carneiro, diretor do Centro de Medicina Baseada na Evidência, também emitiu uma opinião sobre o tema, depois de analisar os vários estudos publicados. “Os níveis definidos, na maior parte dos casos, como sendo mínimos são de facto o limite superior da normalidade. Além disso, múltiplos testes apresentam variações entre si que chegam a ser de 10% a 20% dos resultados. Portanto, em termos da população em geral, não parece ser possível afirmar a existência de hipovitaminose generalizada.” O suposto défice estaria associado a patologias como a depressão ou até doenças cardiovasculares.
Armazenar não é possível
Apesar de admitir que há populações específicas em que a carência é de facto uma realidade, como os idosos que vivem em lares ou estão hospitalizados, o médico afirma: “Toda esta evidência científica apresenta resultados inconsistentes em termos de benefício e que, portanto, não podem suportar recomendações universais para administração de vitamina D em doenças crónicas.” Além disso, há riscos associados ao excesso desta vitamina, quando tomada em suplementos, nomeadamente ao nível da calcificação.
Nem mesmo a mudança do estilo de vida, com mais trabalho no interior e menos atividades ao ar livre, justifica a necessidade de exceder a recomendação. “Se assim fosse, nos países muçulmanos, em que as mulheres se cobrem todas, deveria haver mais incidência de doenças associadas à falta de vitamina D, e isso não acontece“, compara Osvaldo Correia.
O conselho continua a ser o mesmo: 15 a 20 minutos de sol, numa área do corpo exposta, como as mãos ou a cara, é suficiente para atingir os níveis de que necessitamos. E não adianta ultrapassar, porque o corpo não tem capacidade para armazenar o excedente.
Os riscos da exposição solar acentuaram-se a partir dos anos 80, por causa do buraco na camada de ozono, um gás que filtra a radiação ultravioleta. O problema foi-se agravando, até atingir a extensão máxima no ano 2000. A partir desta altura, começaram a notar-se os efeitos do Protocolo de Montreal, que visou a eliminação dos gases CFC, usados em sprays, e que destruíam aquele escudo protetor da Terra. Hoje a recuperação está em curso, mas recentemente foi descoberto um novo buraco no Ártico, resultante de poluentes que continuam à solta na atmosfera.
É inquestionável que o sol nos faz mais felizes. “Há décadas que a luminosidade faz parte do bem-estar neurológico, estando na base da fototerapia”, nota Osvaldo Correia. Isto porque a luz estimula a produção de serotonina, o neurotransmissor, ou mensageiro do cérebro, que regula o sono, o humor e o apetite. “Dias luminosos são dias felizes.” Não vamos transformar um prazer num problema de saúde.
O sol: o bom e o mau
Para produzir vitamina D devemos adiar a colocação do protetor solar? E o risco de cancro? Moderação é a palavra de ordem
RISCOS
Melanoma
A genética e a exposição solar são as principais causas deste que é o mais grave tipo de cancro da pele. Cinco queimaduras solares ao longo da vida duplicam o risco de aparecimento da doença, potencialmente fatal. Sabe-se que os raios ultravioleta danificam o ADN dos melanócitos (as células produtoras de melanina, localizadas na camada interior da epiderme). A incidência deste tipo de cancro tem aumentado em todo o mundo. Em parte, pela melhoria na capacidade de diagnóstico, mas também, julga-se, pelo buraco na camada de ozono, que deixa passar os raios UVB, e pela moda dos solários.
Carcinoma basocelular e carcinoma de células escamosas
Quer as queimaduras solares quer a exposição cumulativa estão associadas ao aparecimento deste tipo de cancro, menos grave e mais comum.
Envelhecimento da pele
Perda de firmeza, rugas, manchas, descamação, secura, tudo isto são marcas do envelhecimento. E 80% delas são causadas pela exposição solar. Os ultravioleta danificam as fibras da pele (elastina e colagénio), o que está na origem do aspeto descaído associado ao envelhecimento.
BENEFÍCIOS
Miopia
Dados epidemiológicas mostram que as crianças que passam mais tempo ao ar livre têm menor probabilidade de se tornarem míopes.
Psoríase
Défice de vitamina D foi associado a maior incidência da doença. Aliás, no tratamento deste problema de pele são usados produtos derivados da vitamina D, bem como radiação UVB.
Cárie
A baixa concentração de vitamina D na grávida está associada a um aumento do risco de cárie dentária.
Obesidade
Um estudo feito em 2014 sugere que a exposição aos raios ultravioleta pode ser uma forma eficaz de evitar o aparecimento de obesidade. Este mecanismo não está relacionado com a vitamina D, mas a outros mecanismos fisiológicos desencadeados pela radiação.
Esclerose múltipla
Há muito que se conhece a relação entre esta doença autoimune e o sol. A incidência de esclerose múltipla é inversamente proporcional à exposição
à radiação ultravioleta.
Demência
Pessoas com baixos níveis de vitamina D (inferior a 10ng/mL) têm o dobro do risco de desenvolver Alzheimer. Os resultados são semelhantes para todos os tipos de demência.
Artigo publicado na VISÃO 1270 de 6 de julho