Veio a Lisboa num ápice, para promover o seu novo livro em português, Como Controlar o Açúcar no Sangue, em que promete reverter uma situação de diabetes tipo 2 em apenas oito semanas, e só com dieta. De olhar para os alimentos que estão ao lado do seu portátil, dá para perceber do que fala este repórter da BBC, médico de formação, autor de vários livros sobre alimentação (incluindo A Dieta dos Dois Dias, a publicação de dietas que mais vendeu em Inglaterra em 2013). Há bagas, frutos secos, carne branca, abacate e queijos. Durante a entrevista à volta do que devemos ou não comer, vamos depenicando da tacinha de frutos vermelhos que adoça, sem açúcar adicionado, a nossa conversa. Mas ao que Michael Mosley não consegue mesmo resistir é ao queijo fresco de cabra nacional. Come uma fatia e surpreende-se. Arrisca na segunda e confirma como é bom, soltando um suspiro de agrado. Ainda corta uma terceira. Mas vamos ao que interessa, para que os seus princípios não caiam por terra, aos 53 anos, por culpa dos laticínios portugueses.
Este seu livro é só para diabéticos?
Não, de todo. Inicialmente escrevi-o para pessoas com problemas de açúcar no sangue, que era o meu caso. Mas desde então saíram uma série de estudos internacionais a comprovar que uma dieta de 800 calorias, levada a cabo durante oito semanas, é provavelmente o caminho mais eficaz para perder peso.
Estamos perante uma doença silenciosa. Quais são os sintomas?
Ter sede, ir muitas vezes à casa de banho e sentir-se cansado. Mas a maioria das pessoas não sofre de nada disto. Um amigo meu descobriu que tinha diabetes porque sentia zumbidos nos ouvidos. Eu só soube, há cinco anos, porque fui fazer umas análises por causa de outra coisa que nada tinha a ver com esta doença.
Como reagiu ao diagnóstico?
Procurei uma maneira de sair disto. E encontrei os princípios da fast diet (dieta do jejum), que me levaram a criar a dieta 5:2, em que incluí dois dias de quase jejum (menos de 800 calorias). Entretanto, comecei a fazer investigação e cheguei ao professor Roy Taylor, um especialista na doença, que me explicou como tudo funciona. Disse-me que podia reverter, apenas com dieta, desde que se perdesse 10% do peso.
Só com dieta?
No meu livro, acrescento-lhe exercício e gestão do stresse, porque acho que isso deve vir tudo junto.
Basta perder peso, não tem de ser com a sua dieta?
Exato. Sabemos há 20 anos que quem faz a cirurgia ao estômago consegue reverter a doença. O que Taylor diz agora é que isso também é possível perdendo dois gramas de gordura no pâncreas.
Como se explica então que pessoas magras também tenham diabetes tipo 2?
Porque estão acima do seu limite de gordura. E isso depende muito da genética. Por exemplo, só por se ser europeu, a probabilidade de vir a ter a doença sobe. E agora, o número de doentes na China aumentou imenso (100 milhões). Já não fazem tanto exercício e começaram a comer as porcarias ocidentais. O mesmo aconteceu com os mexicanos, que oficialmente são as pessoas mais gordas do mundo. Países como a Arábia Saudita, passaram de zero para um quarto da população com diabetes. Em comparação, Portugal não está assim tão mal…
É “só” o país europeu com a maior taxa de diabetes.
Vocês são os que têm índices maiores de doença, de pré-diabetes e de pessoas que já têm a diabetes tipo 2, mas não sabem (40%). Inglaterra é o número três, depois da Polónia.
Porque estamos nós no topo deste ranking europeu?
Provavelmente por causa do pão branco e das batatas: assim que chegam ao intestino delgado são convertidos em açúcar. Para combater isso, é preciso adicionar mais fibra na alimentação.
Não come pão?
Não é muito frequente, e se o faço é dos caseiros, mais densos. Mesmo assim, ontem comi uma torrada com doce e o meu açúcar disparou. Quando se vê o que está a acontecer torna-se mais gráfico. É como o chocolate preto sem açúcar – sou capaz de comer um quadradinho e fico bem. Se apanhar um dos outros, não paro.
Porque é que um médico se torna jornalista e depois apresentador de televisão, ainda que de assuntos de saúde?
Descobri que não tolero bem a privação de sono. Formei-me nos anos oitenta, numa época em que o serviço de saúde britânico estava a passar um mau bocado. Muitos dos meus colegas fugiram para os EUA e para a Austrália. Reunimo-nos há pouco tempo para celebrar os 30 anos do curso, e apenas menos de metade ainda exercia.
Não se arrepende, portanto?
Raramente, porque comunico informação muito valiosa. Penso que faço mais bem nos meus programas de televisão e nos meus livros do que se tivesse continuado a exercer medicina.
Roy Taylor diz que é um excelente comunicador de ciência. Sente-se um guru que consegue realmente chegar às pessoas?
(Risos.) Ajuda o facto de ter um programa na BBC e de eu experimentar as coisas em mim próprio. Pode haver muitos estudos científicos, mas as pessoas respondem bem perante uma história pessoal. Também ponho um certo cunho de detetive, em que existe sempre um vilão.
Quem é o vilão desta história? A diabetes?
O açúcar. E pessoas, como os dirigentes da Coca-Cola e outras grandes marcas da indústria, que financiam estudos para comprovar que o açúcar é bom e a gordura é o vilão. Andam a fazer isto desde 1970.
Afinal, a gordura não é um problema?
Há boas e más gorduras, claro. As boas são as do peixe, ovos, azeite, nozes, iogurtes (os gordos são melhores do que os magros). As más são as que se encontram na carne processada, bolos, biscoitos, chocolate…
Importa-se de repetir esse parêntesis?
O iogurte grego, por exemplo, é bom porque tem muita proteína e isso faz com que fiquemos satisfeitos por mais tempo. Com bagas faz um ótimo pequeno-almoço. As comidas não processadas são adequadas, como leite, por exemplo, que tem boas gorduras e bom açúcar.
O açúcar é viciante?
Sozinho não, só quando é combinado com grandes quantidades de gordura. Por isso é tão difícil parar de comer chocolate. Eu, pelo menos, não consigo… E o mesmo se passa com as bolachas. É absolutamente compulsivo. Há uma teoria interessante que fala de um rácio mágico de dois para um duas doses de hidratos de carbono para uma de gordura, a mesma proporção que se encontra no leite materno, a nossa primeira comida. A indústria explora isto para nos manter viciados e ainda adicionam mais umas coisas.
Está sempre a fazer a sua fast diet?
Agora apenas uma vez por semana. Estava em risco de ficar muito magro e, além disso, a evidência já mostra que os benefícios são idênticos. No meu caso, os meus valores estão ótimos, mas continuo a fazer a dieta por curiosidade.
Nota diferença se comer algo que foge à sua dieta?
Não, e esse é o problema. Mas se como uvas, por exemplo, e meço o açúcar, ele dispara imediatamente. Se dormir mal, acontece a mesma coisa. O stresse também provoca isso.
A sua família acompanha-o?
A minha mulher sempre foi magra, faz a dieta mediterrânica, nunca come snacks, pratica exercício e não tem história familiar, por isso não está para aí virada. Os meus três filhos são altos e magros e comem bem. Quando eram adolescentes, rebelavam-se um pouco, mas já se deixaram disso. O grande problema é que nós recompensamos as crianças com doces e também nos recompensamos entre nós. Temos de procurar outra forma de expressar amor, mas não sei com o quê. Antes voltava-se de viagem com um grande pacote de cigarros, hoje já ninguém faz isso.
Não sei como é em Inglaterra, mas aqui a comida processada é mais barata do que a saudável.
A longo prazo vai sair mais caro, porque destrói a nossa saúde. Mas consegue-se comer bem com um orçamento limitado. Por exemplo, os vegetais congelados, mais baratos, são tão saudáveis como os frescos. Além disso, poupa-se imenso dinheiro se não se ingerir porcarias.
Em Portugal, as pessoas com maiores problemas de obesidade são as que têm menos recursos.
Não será bem assim, especialmente no que diz respeito aos homens e são esses que têm mais diabetes tipo 2. Pelo menos já não é essa a realidade no Reino Unido nem nos EUA. Talvez ainda seja verdade em relação às mulheres e às crianças.
A sua dieta adequa-se a crianças?
Não a aconselho a ninguém com menos de 18 anos, que seja magro ou tenha outros problemas de saúde que impliquem tomar medicamentos. De resto, este livro está cheio de referências científicas. É baseado na melhor ciência que conheço sobre o assunto e em vários especialistas.
Como é que se aprende a contar calorias?
Aprendem-se as receitas. Depois, esquecem-se as calorias e fixam-se os princípios: seguir uma dieta mediterrânica, manter a ingestão de porcaria nos mínimos e tentar evitar comidas que se transformem rapidamente em açúcar: pão branco, arroz branco e massa.
E se forem integrais?
A coisa melhora. Mas há que ler os rótulos, porque muitas vezes acrescentam açúcar ao pão integral, por exemplo. E noutros casos nem tem mais fibra do que o branco.
Que frutas devemos evitar, por causa do açúcar?
As tropicais, uvas, melão e ananás, pois são muito doces. Por outro lado, as peras são muito boas.
Essas frutas são aquelas que nos dizem para comer com moderação?
Ninguém sabe o que é moderação. Se abrir um pacote de bolachas, não sou capaz de parar, ainda que pense que só vou comer uma. Por isso é mais fácil dizer não a esses alimentos.
Fala em reprogramar o corpo. O que quer dizer com isso?
O excesso de insulina leva também a cancro, especialmente cancro da mama nas mulheres. Agora, estão a identificar-se imensas consequências provocadas pelo excesso de insulina, porque os nossos corpos não foram desenhados para viver com níveis tão elevados. Estamos a comer coisas cheias de açúcar, a toda a hora, e a fazer pouquíssima atividade física.
Andamos confusos com o que se deve ou não comer. Há que dar ouvidos a tudo o que os nutricionistas dizem?
O problema é que a comunicação social divulga vários estudos, e muitos são pequenos, de curta duração e muito pobres. Os grandes estudos são consistentes e apontam na mesma direção. Azeite, bom; nozes, boas; pão, mau; batatas, más; massa, má.
Defende que se coma apenas três vezes por dia, quando sempre se disse que não se deve estar mais do que duas horas em jejum.
Os snacks são terríveis, especialmente se tiverem açúcar. Quando se come um cacho de uvas, o açúcar dispara, ficamos com fome e queremos logo mais qualquer coisa doce. Se é para petiscar entre refeições que seja um punhado de frutos secos ou um pedaço de queijo.
Não gosta de desporto, mas apregoa-o.
Gosto de alguns, como natação e caminhada. E subo sempre as escadas a correr, além de fazer, todas as manhãs, os meus fast exercises (exercícios rápidos), que só me ocupam cinco minutos, mas que estimulam o coração.
Porque integra aqui o mindfulness?
É o exercício para o cérebro. Devemos parar, ter um momento. Costumava ser cheirar flores ou ver o pôr do Sol, mas agora gastamos todos esses momentos no computador ou no telemóvel.