“Crocodilo em Porto Mós, Leiria”, “Quaresma regressa ao Porto”, “Estado paga 5 mil euros a cada nascimento em 2007”. São fresquinhas e há para todos os gostos, só não se devem confundir com notícias. Mas, como estão concebidas para serem publicadas enquanto tal, via Facebook ou Twitter, aumentam o risco de serem tomadas como verdadeiras por utilizadores mais incautos, sobretudo quando a leitura se resume ao título. Pelo menos desde terça-feira, um tornou-se especialmente popular: “Papa Francisco cancela visita a Fátima”.
O fenómeno parece estar a criar adeptos em Portugal, ajudado por uma ferramenta online com propósitos humorísticos (e lucrativos) que já provocou situações de pânico na Alemanha e em França. Apresentada como um meio de pregar partidas a amigos, permite a qualquer pessoa inventar uma notícia e partilhá-la nas redes sociais com uma paginação que os mais desatentos podem confundir com um site noticioso.
Apesar da conceção básica, resumida a nove destaques e um top-5 (fictício) dos “artigos” mais populares, entre muitos anúncios, a “brincadeira” foi suficiente para deixar várias localidades francesas em alerta, em 2014, quando alguém se lembrou de escrever que existia um surto de Ébola e a “informação” ganhou eco online – levando hospitais e autoridades a virem a público descansar as populações das regiões supostamente afetadas. Já na Alemanha, os falsos relatos de aparições de palhaços assustadores, servidos em forma de facto verídico nas redes sociais, alimentaram o medo de uma bizarria que chegou a vários países no ano passado e que, no mais rico da Europa, meteu a Polícia em campo.
A ferramenta em causa, que começou por estar disponível em francês, inglês e espanhol e foi depois traduzida para alemão, italiano e português (do Brasil), é acessível através de um sem-número de endereços URL. Mas na verdade vão todos dar ao mesmo site, tanto o espanhol “noticias-frescas.com”, como o alemão “24aktuelles.com” ou o português “cnoticias.net”. Ali, na página inicial, o “autor” é avisado ao que vai em letras garrafais: “Faça sua piada de maneira fácil.” Ao lado dos campos para o título e o corpo do texto, até há dicas para “chamar a atenção dos curiosos”. Depois, o conteúdo é partilhado nas redes sociais e estas fazem o “favor” de o amplificar, já sem qualquer referência explícita à trapaça.
O francês Nicolas Gouriou, de quem pouco mais se sabe além da identidade, é o mentor da ideia. Mantém mais de 80 endereços URL registados em nome próprio e mais de uma centena em nome da sua empresa Media Vibes SNC, sediada na Bélgica. Há muitos anos que gere sites de jogos gratuitos e agora parece bem lançado no negócio das notícias falsas, cujo retorno lhe chega pela mesma via: a dos cliques na publicidade. O que o distingue de outros profissionais das “fake news” é que não tem trabalho nem encargos com a produção de conteúdos, uma vez que são os utilizadores que os escrevem (em forma de piada) e os partilham (em formato de notícia), levando tráfego para seus sites e lucros para os seus bolsos – num esquema que a VISÃO explicou neste artigo (clique para ler).
“É um lugar de liberdade de expressão”, comentou Nicolas Gouriou, em 2014, a propósito do seu site actualites.co, que esteve na origem dos boatos sobre a presença do vírus Ébola em França. “É uma nova forma de média: faça você mesmo”, acrescentou, numa rara declaração por e-mail à rádio Franceinfo, assumindo que também ele se divertia a brincar às notícias. “Temos esse direito, não?”