É com muita clareza que Gabriela Figueiredo Dias, 50 anos, se lembra da sua experiência na primeira leva de estudantes que partiu à descoberta de algo até então desconhecido. A atual presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários ia a passar na Porta Férrea da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra quando reparou num cartaz que anunciava o Erasmus. Tinha 21 anos e andava inquieta e desmotivada com o curso. A resolução de ir para Pavia, em Itália, bem acolhida pelos pais, não teve aprovação por parte de alguns professores, que na hora de dar equivalências às cadeiras não lhe facilitaram a vida. “Em Pavia encontrei uma faculdade ainda mais desorganizada do que a portuguesa. Íamos pouco às aulas, éramos muito auto-didatas. Inscrevi-me em algumas cadeiras que nem sequer existiam. Mas também tive professores muito bons que me despertaram a curiosidade pelas áreas em que hoje trabalho, o Direito das empresas”, recorda. De regresso a Coimbra, Gabriela Figueiredo Dias sentiu-se uma carta fora do baralho. “Na altura, para entrar no mercado de trabalho o Erasmus pode ter tido alguma importância, mas não a que tem agora. A mentalidade era outra.”
Trinta anos depois, Gabriela Figueiredo Dias é assertiva: “Fui sem rede”. O avião saiu de Lisboa muito atrasado e em vez de ir para Milão (que daria acesso a Pavia) chegou a Génova à meia-noite. Apanhou um autocarro para Milão e passou a noite no aeroporto, com um malão para seis meses, à espera de ir para Pavia de manhã num autocarro e depois num táxi. Cansada, Gabriela trocou tudo e em vez de pagar 750 escudos, pagou sete contos e quinhentos em táxi. Esta foi a primeira aventura da jovem de 21 anos, aluna na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, uma das primeiras a fazer Erasmus em Portugal. Quando regressou alguns professores ignoraram o intercâmbio e não lhe facilitaram a vida. Mas valeu a pena. Na bagagem trazia o bichinho das viagens. Depois de ter dividido o estúdio com uma belga muito reservada que lhe perguntou se ia tomar banho todos os dias, percebeu que os italianos eram muito infantis, apesar de circular alguma droga com facilidade, depois dormiam com peluches. “Vivíamos em festa. Passei a viver mais em Milão do que em Pavia, pois lá é que estava a animação. Fui mais do que uma vez a Veneza, corri o norte de Itália, Roma, Bolonha e Florença onde queria muito ver um quadro de Chagall, O Violinista, mas não estava na cidade. Fartei-me de viajar em condições de campista e de noite para não pagar hotel.”