Foram os telemóveis comprados após o rapto de João Paulo Fernandes, na noite de 11 de março, em Braga, que levaram a Polícia Judiciária do Porto a chegar ao grupo de sete suspeitos improváveis, agora detidos em prisão preventiva. Os aparelhos terão sido comprados a um portuense “ligado à noite” para que Pedro Bourbón, advogado em Braga e vice-presidente do Partido Democrático Republicano (PDR), pudesse conversar ‘à vontade’ e sem o perigo de escutas policiais com os irmãos Manuel Bourbón, também advogado, e Adolfo Bourbón, economista, além dos amigos Emanuel Paulino, conhecido como “bruxo da Areosa”, Luís Monteiro, vendedor, Hélder Moreira, comerciante, e Rafael da Silva, pasteleiro.
O que não esperavam é que alguns desses telefones estivessem já sob escuta, para que a PJ pudesse obter informações sobre outros casos, nomeadamente ações criminosas deste mesmo grupo, relacionadas com cobranças difíceis. Foi através dessas escutas que o desaparecimento de João Paulo Fernandes (raptado em frente à filha de 8 anos, quando entrava na garagem de sua casa) começou a ser esclarecido. “Todo o processo, desde o rapto à morte do empresário, foi feito com uma frieza muito rara. Sobretudo, se tivermos em conta que os alegados autores do crime são pessoas que conhecem a lei e que acreditavam que iram ficar impunes”, explica à VISÃO fonte da PJ. Os sete homens, entre os 27 e os 41 anos, são todos familiares e amigos entre si. E quando, alegadamente, Pedro Bourbón pediu ajuda para “resolver um problema”, nenhum hesitou, sabendo que seriam recompensados financeiramente pelo trabalho. Agora são acusados dos crimes de sequestro, homicídio qualificado, profanação de cadáver, incêndio, explosão, detenção de arma proibida, falsificação e contrafação.
A relação entre o advogado e Fernando Fernandes, pai da vítima, iniciou-se há perto de 15 anos e começou por ser uma relação meramente laboral. Quando o empresário apresentou insolvência da Sociedade de Construções Fernando, avaliada em quase dois milhões de euros, recorreu ao advogado. Antes, disso Pedro Bourbón, em conluio com Fernandes, criou a Monahome, uma ‘empresa-cofre’ onde foram escondidos 19 imóveis e 2, 6 milhões de euros, evitando que os bens constassem do processo de falência da empresa e fossem retirados à família Fernandes. A sociedade foi constituída com um capital social de cinco mil euros e ‘gerida’ pelo advogado e por Emanuel Paulino, dono de uma ervanária, conhecido pela prática de “bruxaria”, amigo e padrinho de uma filha de Pedro Bourbón. São estes os bens que terão estado na origem do crime. Fernando Fernandes e a esposa apresentaram queixa contra o advogado, acusando-o de se ter apropriado ilegalmente dos bens. Em novembro de 2014, João Paulo iniciou um conjunto de diligências para reaver os bens da família, apresentando uma nova queixa-crime por burla contra Pedro Bourbón e contra o “bruxo da Areosa”, e enviando cartas a explicar o processo à PJ de Braga e ao tribunal. De acordo com as investigações da Judiciária, terá sido esta “pressão” que determinou o rapto e a morte do empresário.
O partido e a Ordem
Detido preventivamente no estabelecimento prisional da PJ no Porto, Pedro Bourbón está afastado dos outros seis homens, todos amigos, familiares e compadres. “O Pedro é um grande amigo”, afirmou Marinho e Pinto, líder do Partido Democrático Republicano de que Bourbón era vice-presidente. Desde a passada semana que os três irmãos foram suspensos do partido porque, “em política, não há presunção de inocência. Há factos e o facto é que pessoas filiadas no PDR estão presas e, por isso, não podem fazer parte do partido”, disse, algo emocionado, Marinho e Pinto. Afinal, foi ele que, em Coimbra, festejou com o pai do clã Bourbón o nascimento de Pedro, o primeiro filho. A amizade fez com que o deputado político levasse também para a direção da Ordem de Advogados o filho primogénito do amigo. Da direção fazia ainda parte Rodrigo Santiago, o advogado que agora defende Pedro do que diz ser “um enredo sem qualquer fundamento”.
“Como é que o meu cliente pode ser acusado de homicídio qualificado e profanação de cadáver se nem se quer existe um cadáver?” E continua: “O único facto provado parece ser o rapto e, mesmo esse, foi testemunhado por uma criança e não nos foi permitido consultar o depoimento que fez”. Rodrigo Santiago prepara-se agora para pedir a libertação do seu cliente alegando que esteve “ilegalmente detido” antes de ser ouvido pelo juiz do tribunal de Guimarães que decidiu mandar prender todos os indivíduos apresentados pelo Ministério Público como suspeitos. “É uma das maiores ficções que já vi na minha vida”, garante o defensor. Do processo, como arguido, consta ainda Nuno Pinto Lourenço, advogado de Gaia. O causídico deslocou-se às instalações da PJ como defensor de alguns dos detidos. Apesar de, ao que tudo indica, não ter nenhuma relação com o crime, é um dos nomes citados pelos pais de João Paulo Fernandes na denúncia que fizeram sobre a ocultação de bens.
Um crime sem corpo
É convicção das autoridades que João Paulo foi morto pouco depois de ter sido raptado. O crime terá sido cometido numa garagem de Baguim do Monte, em Rio Tinto, propriedade de Hélder Moreira e onde também terão sido escondidos os Mercedes usados no rapto. O cadáver do empresário terá sido regado com uma substância ácida que desfez os tecidos, não havendo, por isso, um corpo.
Luís Vaz Teixeira, advogado de Hélder Moreira, diz que o seu cliente se limitou a emprestar a garagem e a entregar as chaves ao “bruxo da Areosa” para que ele lá guardasse “um empilhador”. De acordo com a acusação, os homens terão previamente decidido dividir o dinheiro da Monahome entre eles e vender os imóveis.
Os automóveis usados no rapto foram queimados. A operação ‘Fireball’ levada a cabo pela PJ permitiu, através de buscas em Braga e no Porto, em casa dos arguidos e de familiares, apreender “várias armas de fogo, gorros, algemas, elevadas quantias de dinheiro, viaturas e documentos com relevância probatória”. Desde que foi raptado, e durante os dois meses que se seguiram, os pais de João Paulo indicaram sempre Pedro Bourbón como estando envolvido no desaparecimento do filho.
Antes, o casal chegou a viver na Madeira, com medo de ser localizado. O filho refugiou-se em França. Contudo, há cerca de dois anos, a família decidiu ir à luta para reaver os bens. Primeiro Fernando Fernandes e a esposa, depois João Paulo. A última tentativa passou pela decisão da família Fernandes em “dividir os bens” com os responsáveis pela Monohome. Debalde. A acusação garante que, antes do rapto, o homem foi “vigiado” para que nada falhasse. “Estava tudo controlado, desde a hora a que chegava a casa, ao lugar que ocupava na garagem”, conta fonte da Judiciária. “Até a presença da filha estava prevista.” Felizmente, o grupo decidiu que não lhe faria mal.