Após três meses de prisão preventiva, José Veiga já se encontra em sua casa, em detenção domiciliária sem pulseira eletrónica mas com vigilância policial à porta. A mudança da medida de coação do ex-presidente da SAD do Benfica e antigo agente FIFA deve-se a uma decisão tomada esta quarta-feira, 11, pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que deu razão a um recurso do seu defensor, o advogado Rogério Alves. A alegação vencedora foi a de que o juiz de instrução Carlos Alexandre tratou de forma discriminatória José Veiga e Paulo Santana Lopes, o arguido n.º 2 do processo, baseado numa operação batizada de Rota do Atlântico, que se iniciou em 2014.
Em fevereiro, depois de uma maratona de interrogatórios, o juiz Carlos Alexandre decretou a prisão preventiva de José Veiga, e, em relação a Paulo Santana Lopes, enviou-o para detenção domiciliária, também sem pulseira eletrónica, até que pagasse uma caução de €1 milhão, para passar à liberdade provisória.
Paulo Santana Lopes demorou largas semanas para disponibilizar aquela quantia à Justiça, e o mesmo deverá acontecer com José Veiga, soube a VISÃO de fonte próxima do ex-presidente da SAD do Benfica. O TRL impôs-lhe o pagamento de uma caução de €1,2 milhões para passar à liberdade provisória, mas José Veiga tem as suas contas bancárias bloqueadas desde que, em fevereiro, foi detido no âmbito da operação Rota do Atlântico e constituído arguido. O que noutras circunstâncias seria de fácil solução mostra-se agora “difícil”, admite a mesma fonte.
José Veiga está indiciado por corrupção no comércio internacional, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e tráfico de influência. No epicentro da investigação, como a VISÃO já noticiou, encontra-se uma proposta de Veiga para a compra, por cerca de €14 milhões, do Banco Internacional de Cabo Verde (BICV), através do Norwich Group, sociedade de que era o único acionista. O BICV pertencia ao universo do Grupo Espírito Santo e Paulo Santana Lopes terá surgido no processo para colmatar as falhas de credibilidade de Veiga durante as negociações com o Novo Banco.
A investigação cruzar-se-ia com outro nome do futebol, o ex-presidente do Benfica Manuel Damásio, o qual teria o papel de introduzir Miguel Relvas como “facilitador” no processo de compra do BICV, intercedendo por Veiga junto de Sérgio Monteiro, que fora nomeado, em novembro de 2015, consultor do Fundo de Resolução para a venda do Novo Banco.
Tanto o ex-ministro como o ex-secretário de Estado do Governo de Passos Coelho negaram ter tido qualquer envolvimento naquele negócio. Mas o juiz Carlos Alexandre proibiu os arguidos do inquérito da Rota do Atlântico de contactarem com Miguel Relvas e Sérgio Monteiro.
Uma ‘mina’ chamada Congo-Brazzaville
Depois da sua queda em desgraça como agente de futebolistas, José Veiga virou-se para o Congo-Brazzaville, conseguindo estabelecer relações privilegiadas com altas figuras do regime do general Denis Sassou Nguesso. De tal forma que até adquiriu a nacionalidade congolesa.
A tentativa de compra do BICV, de acordo com os investigadores, também remetia para a elite de Brazzaville: 70% a 80% do total dos depósitos no antigo banco do Grupo Espírito Santo na Cidade da Praia seriam de congoleses, parte deles em nome de offshores representadas por testas de ferro, e havia razões de sobra para temer pelo futuro daquela instituição bancária.
José Veiga tornou-se diretor-geral da brasileira Asperbras no Congo-Brazzaville, e as contratações para empreitadas públicas choveram, com Paulo Santana Lopes no controlo das obras. Só entre 2012 e 2013, a Asperbras terá recebido do Estado congolês 1 100 milhões de dólares (€982 milhões). O Ministério Público português possui fortes indícios de que Veiga terá conseguido aqueles contratos através do suborno de responsáveis políticos do regime de Nguesso. Em contrapartida, o ex-agente FIFA e Paulo Santana Lopes receberiam luvas, canalizadas mediante uma intrincada teia de transferâncias bancárias.
O inquérito da operação Rota do Atlântico, dirigido pelas procuradoras Susana Figueiredo e Sara Sobral, do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, foi declarado de “especial complexidade”, pelo que a dedução da acusação ainda demorará, por certo, mais de um ano.