O belo palacete de traça alemã era o sonho secreto do jovem jardineiro que cultivava as hortenses do vizinho colégio Infante D. Henrique. As vezes interrompia o trabalho, encostava–se à sachola e ficava a contemplar o Monte Palace, símbolo de riqueza e de poder do Funchal, naqueles idos de 50. José Berardo tinha só 13 anos, a 4ª classe, seis irmãos pobres como ele e uma grande vontade de vencer na vida. Por maior que fosse o sonho, porém, dificilmente imaginaria que três décadas e meia passadas, ele, com o nome de guerra de Joe (Berardo), comendador, seria não só o dono do Monte Palace como de mais sete residências de luxo espalhadas por três continentes, um império financeiro, uma fundação e avultadas participações em numerosas empresas.
Tudo começou em 1963 quando, aos 19 anos, abandonou o emprego na Madeira Wine, onde colava rótulos em garrafas, e demandou a Africa do Sul, o “El Dorado” dos jovens madeirenses de então. Com 61 rands no bolso (2 700 escudos ao câmbio de hoje), uma maleta — talvez de cartão — e sem saber uma palavra de inglês, desembarcava em Joanesburgo. No visto de imigração constava a profissão de trabalhador agrícola, título que conservou no seu passaporte, ao longo dos anos, mesmo quando já possuía um Rolls Royce dourado.
A lenda começaria dez anos mais tarde, quando o seu toque de Midas permitiu transformar entulho em ouro. Iniciava, então, um sinuoso caminho na senda da fama e da fortuna.
Trocou o negócio de legumes, que fornecia às minas pela atividade de garimpeiro de fato e gravata. Pelas veredas do mundo dos negócios, cresceu, cresceu, até atingir estatuto de magnata, figura proeminente da comunidade portuguesa da Africa do Sul, tratando por tu vários ministros do Partido Nacionalista e sendo considerado o conselheiro português de Pik Botha, o “eterno” chefe da diplomacia sul–africana.
Anos mais tarde, no início de 1989, com o fim do apartheid à vista, Mandela prestes a sair da cadeia e os primeiros murmúrios sobre eleições livres, Joe Berardo abandona a África do Sul da mesma forma que havia chegado: incógnito. E ainda por cima pela porta do cavalo: os jornais sul–africanos, impressionados com a história lendária deste self–made man oriundo de uma ilha distante, davam-no mesmo como desaparecido overseas, talvez refugiado na Madeira. Entretanto, em Joanesburgo, as ações das suas empresas caíam 96% até serem suspensas da JSE (bolsa de Joanesburgo). Milhares de mineiros dependentes da empresa coração da holding de Berardo, a JMF (Joh annesburg Mining and Financing), viam em risco o seu emprego.
Arruinado, perseguido pelo fisco, “contrabandista” de espécies raras, pobre de novo, eis o que dele diziam os tablóides sul–africanos, enquanto, na Madeira, Berardo se preparava para criar uma fundação com o seu nome, mais tarde alvo de processo judicial por alegado envolvimento numa fuga ao fisco, conhecida em Portugal como “a lavagem do cupão”. Ao mesmo tempo, mantinha no Canadá importantes interesses, em associação com um seu velho amigo, Horácio Roque, importante homem de negócios na Africa do Sul, onde se conheceram, marido da ministra das Finanças da UNITA, Fátima Roque. Aparentemente mais rico do que nunca, fazendo–se transportar no seu Jaguar, com suite permanente no Hotel Sheraton de Lisboa, embora já proprietário de um apartamento no Edifício Embaixador — o célebre prédio dos VIP, na Avenida Infante Santo —, Berardo foi o investidor que, no final de 1993, tomou uma posição importante na SIC de Francisco Pinto Balsemão, precisada de dinheiro fresco. O “arruinado” Joe, de Joanesburgo, revelava–se, mais uma vez, o multimilionário comendador do Funchal.
E a mesma pergunta que surgiu a alguns sócios da SIC pôs–se ao público, que conhece mal o emigrante de sucesso recém–regressado: afinal, quem é Joe Berardo?
Nascido a 4 de julho
Oriundo de uma família do Funchal, de parcos recursos, com seis irmãos, nascido a 4 de Julho de 1944, José Manuel Rodrigues Berardo partiu para a Africa do Sul “com uma mão à frente e outra atrás”, como ele próprio afirmou um dia. De trabalhador agrícola a porteiro de boite, fez um pouco de tudo. Começou por ganhar 10 rands (450 escudos) por mês. Mas acabaria por construir um império financeiro, arrancado das areias de minas exaustas. Em 1985, o então Presidente da República, Ramalho Eanes, concedeu–lhe a comenda do Infante D. Henrique, o mesmo nome do colégio onde ganhara o seu primeiro tostão.
Longe estavam os tempos em que uma rixa nocturna levou o seu nome aos cadastros da polícia sul-africana. Foi em Agosto de 1967, e a sua ficha ficou na esquadra de Hospital Hill Police Station, com o n.°CR 203/8767. Fontes policiais de Pretória disseram à VISÃO que Berardo foi acusado de porte ilegal de arma, que chegou a apontar.
O emigrante, porém, depressa deixou de se limitar a ganhar a vida para, passar antes a ganhar dinheiro. Ultrapassada a fase de ambientação, meteu–se no negócio de caixas de cartão e sacos de ráfia para embalar frutas e vegetais. Também teve artes de conseguir, junto da Câmara das Minas de Ouro, um contrato de fornecimento destes produtos ao pessoal mineiro. A sua faceta de bon vivant e de homem da noite — chegou a possuir um bar, o 505, em Hillbrow, um local muito na moda na altura, mas hoje considerado perigoso — abriu-lhe portas junto de altos responsáveis da Câmara das Minas, que lhe facilitaram a entrada no negócio do metal amarelo.
Midas
Um sul-africano de origem portuguesa, Tony Caldeira, contou-nos, em Pretória, a sua versão da forma como Berardo começou a tirar ouro dos entulhos mineiros: “Muito antes dele aparecer já eu e um tio meu fazíamos experiências para extrair ouro dos montes de areia depositados à entrada das minas”, diz. Segundo Tony Caldeira, ele e o seu tio instalaram um laboratório caseiro numa quinta que possuíam perto deBoks-burg. Contavam com a ajuda de um mineralogista de apelido Gonner, que trabalhava para a Anglo-American. Sem meios financeiros para alargarem as investigações e as análises às arei as, aceitaram a sociedade do seu conhecido Joe Berardo, já detentor de um razoável pé-de-meia. Estava-se em meados da década de 70, e o jovem negociante de legumes e embalagens acreditou nas potencialidades da investigação e dispôs-se a investir.
“Nunca imaginámos no que nos íamos meter”, conta Caldeira. A pesquisa deu resultado e da areia começou a sair bastante ouro, numa altura em que a onça do precioso metal subia nos mercados. Joe Berardo e um advogado seu amigo, de apelido Davidson, guardavam o ouro num cofre, instalado no escritório de Berardo. “Foi aí que perdemos o controlo da situação”, recorda Caldeira, que se queixa de terem desaparecido “o advogado, os papéis e todas as provas” de que detinham “35% da sociedade”.
Um outro português, um dos muitos acionistas minoritários de antigas empresas do Grupo Berardo, Emanuel Silva, tem outra versão: “O Joe desde cedo que foi protegido por um ministro sul-africano da Agricultura, que depois passou para a pasta das Minas e Energia. Terá sido esse governante quem, na realidade, adquiriu os montes de areia em causa, pelo preço simbólico de um rand, embora fosse o Joe a dar a cara”.
Ninguém apostava naquelas verdadeiras montanhas de areia, que se limitavam a ocupar espaço. O facto de se ter disponibilizado para retirar a areia dos terrenos era um favor feito ao Governo, que ficava com espaços livres para outros fins. Quando verificaram que o negócio era rentável e viram que os entulhos ainda continham apreciáveis quantidades de ouro, Berardo e os seus sócios registaram a propriedade dos montes de areia constituindo firmas para a respectiva exploração.
Começava a lenda do Midas que transformava areia em ouro…
O Midas começou a perder o seu toque em 1987, quando as acções das suas empresas, cotadas na Johannesburg Stock Exchannge (JSE, bolsa de Joanesburgo), começaram 3 a cair. Segundo a imprensa sul-africana, em Novembro de 1987 o seu império na Africa do Sul valia 45 milhões de contos e a sua fortuna pessoal nove milhões. Em Março de 1989 as empresas só valiam 2,25 milhões, enquanto a sua fortuna descera para menos de meio milhão Algo de muito estranho se passava ou a “ruína” anunciada não passava de um grande bluff. Na verdade, Joe Berardo começava a investir noutras paragens, saindo da Africa do Sul nesse mesmo ano.
Fuga ao fisco
Uma inspeção à contabilidade de uma das suas firmas sul-africanas, a Aujac Investments, revelou que Berardo devia ao fisco, em dezembro de 2003, aproximadamente, 240 mil contos. Os diretores da companhia, registada na Africa do Sul desde 24 de Maio de 1971, são o próprio Joe Berardo e a sua mulher, Carolina Berardo.
É a segunda vez que Berardo tem problemas com as autoridades sul-africanas, através da companhia Aujac. Já em 1989 as contas da empresa foram congeladas, na sequência do affair das cicas, espécies vegetais raras cuja exportação da África do Sul se encontra interdita.
No entanto, ao contrário do que tem sido veículado pela Imprensa, o empresário não está nem nunca esteve proibido de entrar naquele país. E o seu nome consta até da lista telefónica, o que contrasta com a imagem de mistério de que Berardo gosta de se rodear. Carolina Berardo, a mulher, ainda costuma passar algumas temporadas na residência que mantém em Joanesburgo, na Hume Road, situada no bairro elegante de Dunkeld.
A vivenda ocupa, com os seus jardins, uma área de aproximadamente dois mil metros quadrados. E composta por dois pisos, salas amplas, separadas por algumas portas de vidro. Foi na mesma sala cheia de luz, por onde já passaram Pik Botha e Alberto João Jardim, entre outros, que Carolina Berardo confessou à VISÃO sentir imensas saudades sempre que deixa aquela casa. “Foi neste lugar que passei os melhores anos da minha vida, com a minha família” (o casal tem dois filhos, Renato e Claudia, que estudam em Inglaterra).
Os Berardo possuíam na altura em que este perfil foi traçadp, além desta, outra vivenda na Africa do Sul, em Durban, duas casas no Funchal e uma em Porto Santo, um apartamento de duas fracções no Edifício Embaixador, em Lisboa, um apartamento em Londres e outro em Toronto (Canadá).
Como sempre apostado em jogar em vários tabuleiros, Berardo não voltou definitivamente as costas à Africa do Sul. Para além das casas e da Aujac, conservava outros interesses naquele país. Segundo o Departamento de Comércio sul-africano, Joe Berardo mantinha participações na JMR Investments e na Bemato Ld.
Ascensão e queda
Um dos mais inestimáveis patrimónios que Berardo deixou na África do Sul foram as boas relações e até o tratamento por tu com vários politicos sul-africanos, sobretudo do Partido Nacional, os homens fortes do regime. Em Março de 1991, Berardo pisava de novo o solo sul-africano, após dois anos de ausência. Tinha a esperá–lo, no aeroporto, o assessor de Pik Botha, Awie Marais, que lhe ofereceu todos os préstimos.
Ninguém estranhou: frequentemente referenciado, tanto naquele país como entre nós, como o conselheiro português do ministro dos Negócios Estrangeiros de Pretória, Berardo privou também com o anterior Presidente da República, Pieter Botha, e com vários ministros, entre eles, Magnus Malan, actual titular da pasta das Florestas e que já ocupou a da Defesa. Quando, em 1986, Alberto João Jardim, pouco preocupado com o apartheid e com as sanções do Estado português ao regime sul-africano, recebeu uma delegação oficial da África do Sul na Madeira, Joe foi figura obrigatória no seu encontro com Pieter Botha.
A visita a Joanesburgo, em 1991, deu azo a diferentes especulações. Um dos factos mais salientes foi, entretanto, a publicação de um relatório do registo comercial sul-africano, acusando o empresário de ter adquirido ilegalmente a empresa Wit Nigel, em 1985. Esta foi uma das oito empresas de Berardo que ficaram arruinadas nos dois anos que mediaram o crash das bolsas em Outubro de 1987 e a sua saída sua país.
Com três letras apenas se descrevia o coração do grupo financeiro de Berardo: JMF (Johannesburg Mining & Fin ancing Corporation). A história remonta ao ano de 1981, quando a JMF fez a sua entrada triunfal na bolsa. Com ela, a maior parte das empresas associadas passavam a ter cotação. Era a euforia. Em pouco mais de um ano, as ações subiram em flecha, criando expectativas em numerosos pequenos acionistas. A 30 de Janeiro de 1987, Joe torna-se o presidente da JMF. A empresa tinha então na direção personalidades influentes da sociedade sul-africana, nomeadamente o juiz Cecil Margo, atual presidente do Bank of Lisbon (BOL), de cujo capital Berardo chegou a deter 10 por cento.
Nessa altura, a publicação Who ‘s who? dava-o como detentor de 70% do capital do grupo JMF. Para além da sua quota pessoal de perto de 50%, dominava o grupo através de outras empresas onde tinha interesses, associadas ao capital da JMF. Tratava-se, no fundo, de uma intrincada teia de holdings cruzadas que envolviam sete empresas: a Carrigs, a Corex, a Egoli, a Samstel, a Waverley, a West Witts e a Wit Nigel, a que se juntava uma oitava, não cotada na bolsa, mas totalmente pertencente a Berardo, a já referida Aujac.
O crash de Outubro de 1987 e a queda do preço do ouro fizeram descer drasticamente todas as cotações. Todavia, quando se deu a recuperação, em Fevereiro de 1988, a JMF e as suas associadas continuaram a cair. Entre 1987 e 1989, as ações da JMF perderam 96% do seu valor. A Carrigs baixou 82%, a Corex 97, a Egoli 88, a Samstel 65, a Waverley 89, a West Witts 85, a Wet Nigel 85. Uma razia.
Nessa altura, Berardo volta a ser, pela negativa, a estrela dos tablóides. «A questão está em saber se a sua habilidade para controlar uma grande organização é a mesma que mostra para dominar uma pequena», escrevia o jornal de economia Business Times, em Maio de 1989.
Sair por cima
Nesse mesmo mês, porém, já o empresário madeirense se encontrava a milhas. E nunca esteve parado. Em Portugal, os seus interesses começavam a estender-se à comunicação social, participações no sistema financeiro e sectores turístico, imobiliário e alimentar. Berardo preparara bem, na Africa do Sul, a sua saída de cena. Em 15 de Janeiro de 1988, fora constituído o Banif (Banco Internacional do Funchal) com um capital social de 11 milhões de contos. A cabeça, nada abalado pela aparente derrocada do seu império africano, o comendador tornava-se um dos mais importantes acionistas. A seu lado, emparceiravam o já citado Horácio Roque, e Armínio Sousa Gomes, o terceiro maior acionista daquele banco, com 1,7 milhões de contos e um dos atuais vice-presidentes do seu conselho geral.
Mas o agraciado de Eanes não se ficava por aqui. Em Maio de 1989, já a JMF, agonizante, fora adquirida por dois dos velhos amigos sul-africanos de Berardo: o advogado da holding, de origem judaica, Gerald Rubenstein, e o corretor do Grupo, Norman Lowenthal. A JMF teria dívidas superiores a um milhão de contos, o que ultrapassava o seu valor patrimonial. Joe Berardo não viu, portanto, um tostão do seu capital de 70%. No final desse ano, porém, criou no Funchal a fundação com o seu nome, com um capital de quatro milhões de contos.
A fundação, que detém 20% do capital da Empresa Madeirense de Tabacos, onde Berardo é maioritário, prossegue, segundo os estatutos, fins «caritativos, educativos, artísticos e científicos» e é presidida pelo próprio empresário.
Lavagem do cupão
Contra a fundação pendem três processos de execução fiscal, no Tribunal do Funchal: a instituição é acusada de atividades alegadamente decorrentes da lavagem do cupão. Num quarto processo, o Ministério Público pede a anulação dos estatutos da fundação, por não corresponderem ao exigível para a constituição de instituições particulares de solidariedade social. Além disso, a fundação é acusada de prosseguir fins diferentes daqueles para que foi destinada, pelo que corre o risco de ser extinta. Segundo os polémicos estatutos, a fundação está autorizada a prosseguir fins lucrativos, devendo ainda prover ao sustento da família Berardo. Ainda por cima, em qualquer altura poderá tomar-se propriedade do seu fundador.
Os problemas judiciais da Fundação José Berardo não são simples: em Março de 1993, o presidente da comissão liquidatária da corretora Pedro Caldeira, Sousa Borges, declarava ao Público que dos 74 milhões de contos de operações bolsistas efetuadas pela fundação, cerca de 60 milhões estariam relacionados com a lavagem do cupão. Ou seja: de acordo com este relato, a fundação poderá ter-se servido da corretora para obter benefícios fiscais ilegítimos, uma vez que 50% do imposto não pago nas operações da bolsa reverteria para os seus cofres.
E é nesta altura que surge uma das figuras centrais das atividades de Berardo, após o período sul-africano, Francisco Capelo, ex-administrador e ex-acionista da corretora de Pedro Caldeira, que funcionava como elo de ligação entre esta e a fundação, da qual era representante.
Arte e futebol
Indiferente às contrariedades, Berardo diversifica as suas áreas de negócio. Uma delas foi o investimento em arte moderna. Para o efeito, Francisco Capelo frequentava os leilões da Europa, licitando muitas vezes por telefone, reunindo uma coleção razoável. Algumas das obras foram expostas, anonimamente, no das último Verão, na Galeria Valentim de Carvalho. Seria a VISÃO a divulgar em primeira mão, em Setembro, o nome do misterioso colecionador. Entre as pinturas expostas incluem-se obras de Alberts, Christo, Klein e Barceló.
Alguns críticos classificaram a exposição como uma surpreendente escolha internacional, mas outros não se entusiasmaram, apontando-lhe lacunas e falta de critério. O certo é que o comendador não desiste de fundar em Portugal um centro de arte moderna. No entanto, ao contrário do que tem dito, Berardo não possui quaisquer galerias de arte na Africa do Sul. Contactada uma fonte da reputada leiloeira internacional Sotheby’s, em Joanesburgo foi-nos afirmado que «além de não ser nosso cliente particular, esse nome não aparece associado a qualquer galeria do país». Há ainda outras incursões do empresário onde seria difícil imaginá-las: quando o Sporting bateu por 2-1, em Londres, na pré-temporada, os ingleses do Milwall, a disputar o campeonato equivalente à lI Divisão de Honra nacional, ninguém podia prever que, em breve, aquele clube britânico viria a ser propriedade de um português. É que Joe, talvez contagiado pela força do futebol na Madeira, onde o seu amigo Alberto João não poupa apoios aos clubes, já chegou a esse «ramo». Assim, acaba de adquirir o Milwall, preparando-se para, conforme referiu ao Record, entregar a administração ao filho Renato. Entretanto, esta semana, admitia ao Diabo que não estava fora de causa vir a ser “sócio maioritário” do Benfica…
Os tentáculos de Berardo estendem-se ainda ao Canadá, onde mantém a Laurasia Resources, uma empresa de prospeção de gás natural. Aí o seu representante é John Marshall Clark, como já o fora da Corporate International, com sede na Africa do Sul.
Conquistar a SIC
Agora, ao garantir 10,32% do capital da SIC, tornou-se claro que uma grande aposta do comendador em Portugal passará pelo poder da televisão. Berardo conseguiu operar com tal destreza, rapidez e discreção que apanhou de surpresa toda a comunicação social. O negócio foi simples: a mesma empresa que detém o Record e o título do Diário Popular, a Edisport, participou no aumento de capital da SIC, meses. E tanto o empresário madeirense como Francisco Capelo receberam convites para a festa de aniversário do canal.
Além disso, o candidato preferido, a RTL, colocou exigências que Berardo não fez: a televisão do Luxemburgo queria um elemento na Comissão Executiva e uma participação no controlo da direção editorial da SIC, o que lhe permitiria assegurar uma influência idêntica à da TV Globo, de Roberto Marinho.
Joe Berardo já esteve ou está ligado a outros projetos de comunicação social. A sua estratégia, para se tomar maioritário nas empresas por onde passa, resume-se a aumentos abruptos de capital, que os sócios não estão em condições de acompanhar. Foi assim que tomou conta da PEI, após ter comprado a Jorge Figueiredo 20% do capital. Através da PEI, foi acionista maioritário da extinta revista Sábado, da Invesmedia, e esteve ligado ao semanário O Liberal, da Neopress, que durou menos de um ano, e à Radio Gest. Ainda detém, como se disse, o Record e o título do Diário Popular.
O edifício onde está instalado o Record, no Bairro Alto, também lhe pertence. Conseguiu-o através de uma penhora, após um empréstimo de 80 mil contos ao jornal, em que o prédio servira de garantia. No negócio terá sido interveniente António Couto, da ENSUL, referenciado no caso da alegada compra de um andar pelo ex-ministro da Educação, Couto dos Santos.
Em grande
Berardo alienou este ano as suas participações na Soja de Portugal, na Siet Savoy e na Inô. A sua fatia na Siet Savoy foi vendida à Empresa Madeirense de Tabacos (EMT). Masfica tudo em casa: Berardo é um dos patrões da EMT…
Desta forma, quando investiu na SIC, o comendador do Funchal poderia ter cerca de 10 milhões de contos disponíveis em dinheiro, segundo cálculos de fontes que lhe são próximas, mas que não foi possível, assim como outras informações, confirmar com o comendador: apesar de todos os contactos, esforços e pedidos da VISÃO, não conseguimos chegar à fala com Joe Berardo.
Na Madeira, Berardo continua também a pensar em grande. Ou não tivesse ele trazido da Africa do Sul o maior jarrão de cerâmica do Mundo, de seis metros de altura, moldado pelo cerâmico português António Faustino. Uma peça que consta do Guinness Book, ainda assim não tão valiosa como a sua primeira barra de ouro que pesava 25 quilos, conforme afirmou à VISAO um seu amigo, Varela Afonso, diretor de O Século de Joanesburgo. «Quando se foi embora, para a Madeira, Joe levou o jarrão de contentor», lembra Afonso.
O comendador, que já não se recorda como ganhou o seu primeiro milhão, ensinou os filhos a viver sem dependerem de riqueza: “Digo-lhes que as coisas materiais estão aqui agora, mas já se foram amanhã.” Foi ele quem o afirmou ao Sunday Star de Joanesburgo, em 1987, precisamente antes do crash das suas empresas.
(Perfil publicado na VISÃO nº 42 de 6 de janeiro de 1994)