Num dos armários do laboratório de biologia da Secundária Poeta Joaquim Serra está guardada uma série de animais embalsamados. Durante a visita à sua escola secundária, os olhos de Pedro Marques passam pela prateleria de baixo do armário, onde jaz uma cobra conservada num líquido transparente. Estava dado o mote: como é que o cabeça-de-lista do PS às europeias, acusado de aproveitar o cargo de ministro para fazer campanha, apelidado de incompetente na forma como geriu os fundos comunitários e arrastado para a mais recente polémica que envolve familiares de ministros e secretários de Estado nomeados para o Governo socialista responde ao “veneno político” das últimas semanas? “Eu já avisei: isto vai acabar mal porque isto faz mal à democracia”, diz à VISÃO.
O aviso é dirigido “à direita” e ao “candidato do PSD”, Paulo Rangel. “A campanha que apela aos populismos e aos piores sentimentos das pessoas preocupa-me”, desabafa Pedro Marques, sentado na primeira fila de mesas daquela que foi a sua sala de aula. O ex-ministro não devolve o veneno, mas toma nota do estilo. “Desde o início, a campanha tem sido de maledicência, de tentar dizer que eu sou culpado de tudo o que se passa no país e na Europa, e depois avançou para esta campanha populista dos conflitos de interesse”, critica o socialista. Rangel será o pináculo do populismo nesta história e a polémica, diz Pedro Marques, tem um objetivo. “Isto não foi lançado por acaso quando milhares de pessoas estavam a comprar os novos passes sociais, porque assim andaram [o PSD e o CDS] a semana toda a não dizer porque estiveram contra esta medida.” É o contra-ataque possível. E não vai mais longe.
A passagem pela Escola Secundária Poeta Joaquim Serra, no Montijo, não é uma estreia como responsável político. O socialista, filho da terra (os pais moram numa rua colada à escola, ele vive a poucos quilómetros de distância), já ali esteve como secretário de Estado da Segurança Social, tal como visitou a sua escola primária como ministro do atual Governo. São locais que “têm tudo a ver como um percurso de vida” e com as suas memórias de infância e adolescência. “Fiquei marcado para a vida pelo tempo que aqui passei”, confessara, minutos antes, aos alunos que participaram na palestra informal. Afinal, foi ali que tudo começou.
A visita desta quarta-feira dificilmente serviria para conquistar votos. A esmagadora maioria dos alunos que os professores juntaram na biblioteca da escola andará entre 12 e os 17 anos. Não terão ainda idade suficiente para votar nas europeias, ainda que alguns já possam fazê-lo nas legislativas de outubro. Pedro Marques entra no espaço a meio da manhã, cartaz vermelho da JS Montijo ao fundo, cadeiras alinhadas e, em cima de cada uma delas, um pequeno panfleto azul escuro com as 12 estrelas da bandeira da União Europeia e a inscrição #euvoto (no final de uma sessão em que se falaria – e muito – de ambiente, é no mínimo curioso que alguma dessa propaganda estivesse dobrada em várias partes ou transformada em pequenos aviões).
A abstenção. Esse, garante Pedro Marques, será o seu “principal adversário” em maio.
Já sem blazer, mangas da camisa branca dobradas, microfone na mão, o socialista passa os 90 minutos seguintes a responder às perguntas que lhe lançam da plateia. As primeiras saem a ferros, as seguintes já dispensam os silêncios constrangedores do início. E há o tal dado curioso: apesar de apenas dois jovens levantarem o braço como sinal de que participaram na greve às aulas pelos ambiente (estima-se que um milhão de alunos em todo o mundo tenha aderido), a maior parte das perguntas recai sobre o uso de plásticos, a redução das emissões poluentes, a neutralidade carbónica, os passes sociais. Eventualmente, há uma pergunta sobre o Brexit. E outra sobre a sua própria candidatura.
Mas, naquela manhã, o modo “campanha” do candidato socialista parece estar desligado. Nem quando uma aluna – uma potencial eleitora, aliás – lhe atira a pergunta de um milhão de euros Pedro Marques liga o interruptor. “Eu vou votar pela primeira vez nas eleições europeias e queria perguntar-lhe porque acha que devo votar em si”, desafia a jovem.
Misturado na plateia, o assessor sugere-lhe que opte pela resposta óbvia. “Não acredito que alguém vá votar em mim só porque sou de cá”, responde o candidato socialista. Depois, olha para a aluna. Explica que alguns partidos, como o seu, são “mais europeístas”, e que “outros defenderam que nos preparássemos para sair do euro”. Também há aqueles que dão prioridade à iniciativa privada, para que sejam as “empresas a criar emprego” na expectativa de que as condições sociais beneficiem com essa política. Nunca nomeia os adversários. Nunca pede o voto no PS. “É muito, muito importante que te informes sobre as propostas de cada um e, mais importante ainda, que votes”, diz o socialista.
“É brutal”, diria mais tarde o socialista, visivelmente entusiasmado com a participação dos jovens. A sala estava cheia mas uma das alunas presentes no encontro confessa à VISÃO que foi para ali conduzida no âmbito de uma aula de formação cívica. Um grupo de alunos mais novos que chega mesmo em cima do arranque também vem acompanhado de docentes da escola. Viriam se não fossem conduzidos pelos professores? Encolhem os ombros. Mas é um facto que participam – fazem perguntas e querem ouvir as respostas. E, durante aquela hora e meia, só muito pontualmente um telemóvel se denuncia nas mãos de um ou outro jovem.
“Tenho tentado fazer muita campanha assim, falado com muito jovens, sobretudo nas universidades e politécnicos”, explica o candidato. Faltam pouco menos de dois meses para o dia das eleições e, garante Pedro Marques, o ritmo não vai abrandar. “Votem, vejam o que aconteceu no Brexit”, diz aos jovens com quem se tem cruzado. “Um dia acordaram e perceberam que iam ficar fora da União Europeia”, alerta.
Há poucos dias, Carlos César, presidente do PS, disse que Pedro Marques seria “um bom comissário” europeu. Depois, foi Costa quem admitiu que o cabeça-de-lista do PS daria “seguramente” um bom contributo num executivo europeu. E Pedro Marques, já sonha com um lugar entre os próximos membros da Comissão Europeia? A resposta vem a dois tempos, com insistência pelo meio. Primeiro, garante que está “focado” na disputa por “uma vitória” nas eleições para o Parlamento Europeu. Depois, uma (ligeira) cedência. “É uma honra que o primeiro-ministro pense isso de mim, trabalhou muito tempo comigo, conhece o meu perfil, as minhas competências”, diz o ex-ministro. Não assume que quer o lugar, mas lembra que está pronto para o que vier.