Desde o início dos trabalhos, em 09 de janeiro de 2019, já foram feitas 18 audições e a comissão fez 26 reuniões. Foram, primeiro, ouvidos os militares, por opção da comissão de inquérito: antigos e atuais comandantes das unidades em torno de Tancos, responsáveis pela segurança, incluindo também um ex-CEME, como Domingos Jerónimo, e até inspetores gerais do Exército, por exemplo. A fase de audições de militares termina esta quarta-feira com o general Rovisco Duarte, Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) à data do furto, junho de 2017, e que se demitiu do cargo em 2018.
Quem fazia a segurança nos paióis de Tancos
Eram quatro as unidades responsáveis pela segurança, durante um mês, 24/24 horas: Regimento de Engenharia 1 (Tancos), Regimento de Infantaria 15 (Tomar), Regimento de Paraquedistas e Unidade de Apoio de Material do Exército, com a coordenação da Unidade de Apoio da Brigada de Reação Rápida.
Quem eram os responsáveis pelas rondas e quantos homens as faziam
Eram os comandantes da unidade responsável por organizar a segurança, que se prolongava por um mês. O contingente era constituído por oito homens (um sargento, um cabo e seis soldados) que tinham de fazer as rondas pelos paióis espalhados por uma área de cerca de 36 hectares, equivalente a 36 campos de futebol, com um perímetro de 2.700 metros, apesar de existir uma ordem mais antiga que apontava para 44 o número de militares.
O CDS-PP, que propôs a comissão de inquérito, considerou diminuto o número de efetivos a fazer as rondas, que também tinham, formalmente, um veículo de apoio, mas vários militares ouvidos na comissão admitiram que era o mínimo possível ou até adequado.
O ex-CEME Domingos Jerónimo, antecessor de Rovisco Duarte, contou que foi aos arquivos militares procurar ordens de serviço para se preparar para a audição. O general fez questão de afirmar que “os paióis de Tancos sempre tiveram oito homens a guardá-lo”, referindo que, segundo os registos que encontrou, era assim “pelo menos” desde 1996.
Falta de meios e de efetivos
As audições também serviram para militares, de coronéis a generais, se queixarem do baixo número de efetivos das Forças Armadas, neste caso do Exército, que dificultam as suas missões, em especial desde o fim do Serviço Militar Obrigatório (SMO).
Ex-comandante de Pessoal deste ramo, o tenente-general Antunes Calçada deu números de 2017, ano em que se afastou por discordar da exoneração de cinco comandantes de unidades. Em síntese: não há nenhuma unidade que esteja a 100% dos seus efetivos, há muitas com 30%, e dos 20.000 efetivos previstos em 2017, as fileiras tinham 15.700.
Durante uma das audições, o coronel David Correia revelou ter pedido “várias vezes” para que a sua unidade, a Unidade de Apoio à Brigada de Reação Rápida, não integrasse a escala de segurança dos paióis de Tancos porque os recursos humanos “eram escassos”.
Desde quando eram conhecidas as falhas de videovigilância e nos sensores
O primeiro registo de falhas de segurança nos paióis data de 1998. Nos anos seguintes, essas falhas — na videovigilância, nos sensores e nas vedações – vão sendo registadas noutros documentos e vários foram os responsáveis militares que afirmaram ter comunicado ao “escalão superior” o que se passava.
Em anos sucessivos são reportados problemas. Em 2006, a videovigilância funcionava com falhas, foi considerada inoperacional em 2012 e um ano depois, em 2013, obsoleta, segundo João Luís de Sousa Pires, comandante da Unidade Apoio Geral Material do Exército (UAGME), em 2016.
Alvo de uma brincadeira no programa de Ricardo Araújo Pereira, na TVI, ficou célebre a ordem para ser retirada a cassete de um aparelho vídeo que não funcionava.
A explicação foi dada pelo coronel João Pires, ex-comandante da UAGME: a troca de cassetes foi mantida nos procedimentos de segurança porque aguardava-se “a reparação dos sistemas”.
Também em 2006 foram identificados problemas nos sensores que, na versão de vários dos militares ouvidos no inquérito, seriam um meio complementar de segurança.
Vedações enferrujadas e com buracos
Desde janeiro, quando começaram as audições, vários militares confirmaram os problemas. “A vedação estava oxidada e com locais onde a intrusão era potencialmente apetecível. As torres não ofereciam condições para que as mesmas pudessem ser ocupadas. Havia grandes lacunas estruturais”, disse coronel David Teixeira Correia, que comandou a Unidade de Apoio do Quartel-general da Brigada de Reação Rápida, uma das responsáveis pela segurança nos paióis.
Pelo menos dois militares testemunharam casos em que foram identificadas cabras dentro do perímetro militar, devido a essas falhas na vedação.
Foi ainda necessário fazer, por diversas vezes, a desmatação junto às vedações (uma delas antes do furto) e há testemunhos de que a vegetação chegou a ter 1,5 metros de altura. E que era difícil ver de um lado para outro do paiol.
Quem assumiu responsabilidades
Foram apenas dois os generais que assumiram responsabilidades do que aconteceu em junho de 2017, Faria Meneses e Antunes Calçada, que se demitiram e passaram à reserva em desacordo com a exoneração dos cinco comandantes.
“Se o Estado falhou em Tancos, se o Exército falhou em Tancos, eu falhei em Tancos”, disse Faria Meneses, que foi comandante das Forças Terrestres.
Antunes Calçada, antigo comandante do Pessoal, também assumiu, indiretamente as suas responsabilidades: “O Exército foi atacado, foi desonrado.”
No polo oposto, o coronel João Paulo de Almeida, que comandava a unidade responsável pela segurança dos paióis de Tancos na noite do assalto, explicou aos deputados que recusou demitir-se porque “não é assim que funciona a instituição militar”.
Explicação? “Não é assim que funciona a instituição militar. No dia em que o Exército perceber que eu não sou útil, eu saio.” Por outras palavras, explicou ainda: “Os militares sabem disso. Estou à disposição sempre para aquilo que [o CEME] entender.”
Alegações de desleixo dos comandantes
Numa reunião da comissão de Defesa, foi o próprio ex-CEME que admitiu que pode ter existido desleixo da parte dos comandantes das unidades com responsabilidade de segurança de Tancos, por terem desvalorizado a prioridade aos paióis.
Vários foram os militares que recusaram tal acusação. A começar pelo coronel de infantaria David Correia, ex-comandante da Unidade de Apoio do Quartel-general da Brigada de Reação Rápida.
“Se foram desleixados? Nas minhas funções como comandante, eles [os militares sob o seu comando] não foram desleixados, não foram. Foram contribuintes para que a missão de Tancos fosse concretizada”, disse.
A demissão de cinco comandantes na versão do ex-CEME
As exonerações dos cinco comandantes responsáveis pelas unidades que faziam a segurança nos paióis, decidida pelo general Rovisco Duarte, foi um dos pontos em discussão da comissão, em que foram apresentadas várias versões.
Por exemplo, o coronel Ferreira Duarte revelou que, numa conversa com Rovisco Duarte, foi o ex-CEME a dizer-lhe que a decisão de o exonerar, em julho de 2017, fazia parte de uma “estratégia de comunicação” para mostrar a transparência da instituição.
A mesma versão, incluindo, depois, um pedido de desculpas pelos transtornos causados, foi relatada por outros militares na comissão de inquérito.
Acusações de pressões políticas
Numa outra audição, o antigo comandante das Forças Terrestres general Faria Meneses, que se demitiu em desacordo com a exoneração dos cinco comandantes, admitiu que houve pressões sobre Rovisco Duarte.
“O senhor general, ao telefone, não me explicou os motivos, disse-me só: ‘Estou a ser pressionado, tem que se fazer alguma coisa’. E, portanto, decidiu exonerar-se coronéis para não interferir na investigação”, foi a versão relatada por Faria Meneses aos deputados da comissão.
Outro general, Antunes Calçada, tomou a mesma decisão de Faria Meneses, pediu para passar à reserva pelos mesmos motivos, e afirmou que o antigo CEME lhe disse que “tinha de decidir qualquer coisa, dar um murro na mesa”.
Numa das últimas audições, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) à data do furto, general Pina Monteiro, recusou a tese da “pressão política” nestas exonerações, nomeadamente do então ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes.
“Não conheço pressões nenhumas e não acredito que o ministro andasse a dizer para fazerem isto ou aquilo”, disse.
Qual o futuro para os paióis nacionais de Tancos
À margem dos trabalhos da comissão, o Exército assumiu a intenção de manter os Paióis Nacionais de Tancos como “infraestruturas de depósito”, mas, em fevereiro, ainda não tinha decidido se vai reativar as instalações, esvaziadas na sequência do furto ocorrido em junho de 2017.
Admitindo que continua a contar com os paióis de Tancos como “infraestruturas de depósito”, a porta-voz do ramo, em resposta a perguntas da Lusa sobre o futuro daquelas instalações, afirmou que o Exército ainda “está a analisar” o que irá fazer ao local, que o anterior chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, admitia converter num “campo militar”.
com Lusa