Se procurar por San Luca no Google vai encontrar uma daquelas imagens de cartão postal: uma igreja e dezenas de casas agarradas a uma escarpa muito verde e inclinada. Apesar desse cenário rústico e selvagem, San Luca não é uma cidade normal. Só isso explica que no passado domingo, ao contrário do que aconteceu em 761 câmaras municipais de Itália, ali não tenha havido segunda volta nas eleições regionais. San Luca é o lugar onde ninguém, desde 2008, quer ser presidente de Câmara. “Não há democracia aqui”, diz ao El País Giuseppe, um dos moradores neste local com 3700 habitantes, a 516 quilómetros a sul de Roma.
Mas afinal, qual o problema de San Luca? O problema é ser o coração da ‘Ndrangheta, uma das maiores poderosas máfias italianas e já considerada uma das organizações criminosas mais poderosas do mundo. Por lá diz-se que a ‘Ndrangheta é para a terra o que Corleone foi para a Sicília. Há organizações internacionais que ditam que a ‘Ndrangheta é hoje mais poderosa que a Cosa Nostra (a máfia da Sicília) e que a Camorra (a máfia napolitana). Estima-se que a organização facture 36 milhões de euros anuais e que transporte da Colômbia para a Europa a cada ano cerca de 400 toneladas de cocaína. Mas os seus dramas vão muito para além do tráfico de droga. E o mundo só despertou para eles, queixam-se os moradores, quando seis habitantes da Calábria foram executados, em 2007, na cidadã alemã de Duisburgo. Três das vítimas foram enterradas em San Luca.
Este e outros episódios sangrentos refletiram a expansão da máfia na região e fizeram com que a câmara municipal de San Luca fosse dissolvida em 2013 por “infiltração da máfia”. O último a aventurar-se a liderar aquela terra foi Sebastiano Giorgi, que em 2008 se apresentou como um símbolo anti-máfia e cinco anos depois foi condenado a seis anos de prisão por favorecer os interesses da ‘Ndrangheta. Aquele lugar gere-se agora com administradores públicos, que geralmente só resistem por alguns meses. Salvatore Gullì, siciliano, tem essa difícil missão em mãos desde 2015. “Somos substitutos da democracia”, diz ao espanhol El País. “Era justo que houvesse uma nova pessoa escolhida pelo povo de San Luca. Aqui não se vota desde 2008. E há um problema de desconfiança. Este município tem um passado conhecido em todo o mundo. Mas o Estado tem demonstrado a sua presença aqui. Agora há umas regras e se uma pessoa quer apresentar-se democraticamente há que valorizá-lo e algumas situações não o permitem.”
Numa reunião municipal com os moradores e os delegados do governo, discute-se o futuro de um lugar que ninguém quer visitar. Um empresário propõe a criação de um parque temático para a ‘Ndrangheta. “É uma marca internacional que devemos aproveitar”, diz, irónico. Nesta terra muitos foram presos, outros perderam familiares, outros deixaram de falar com os vizinhos. Outro morador, que passou 25 anos na prisão por sequestros no mato, queixa-se. “Aqui, ou trabalha para a região cortando arbustos, ou trabalha para a ‘Ndrangheta.”