Começou em surdina, nos corredores, mas tornou-se evidente para quase todos os socialistas: o pacote de leis sobre a transparência dos titulares de cargos públicos desencadeou uma guerra entre o presidente e líder parlamentar do PS, Carlos César, e a secretária-geral adjunta e vice-presidente da bancada, Ana Catarina Mendes.
Como notam várias fontes parlamentares, o braço-de-ferro entre duas das figuras de topo da cúpula de António Costa ficou bem patente esta semana quando Ana Catarina Mendes deu uma entrevista ao Público e à Rádio Renascença (publicada na segunda-feira) em que manifestou a sua opinião contra a proposta do Bloco de Esquerda – que o PS também propõe, embora noutros moldes – para que seja criada uma entidade para vigiar os rendimentos, património e participações sociais dos políticos. “[Impor] polícias aos políticos é um mau princípio. Porque parte do princípio da suspeita sobre cada um dos políticos. E eu considero que as pessoas me devem escrutinar, mas não me considero sob suspeita”, afirmou.
Frisando que os socialistas dedicaram umas jornadas ao tema da transparência e que prefere esperar para ver como a discussão vai decorrer no Parlamento, a deputada limitou-se a acrescentar que “auto-flagelos só diminuem a força dos partidos”.
Dois dias depois, na quarta-feira, o também vice-presidente do grupo parlamentar e coordenador “rosa” na Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas Pedro Delgado Alves insistiu na intenção de criar o dito organismo administrativo de fiscalização, apesar da oposição da número dois do partido e também de deputados como Ascenso Simões, Isabel Moreira ou Sérgio Sousa Pinto.
“O Pedro Delgado Alves tem a hegemonia dos trabalho na comissão [da transparência], mas aquilo foi obra do César”, critica, em declarações à VISÃO, um deputado, preocupado com a possibilidade de o líder parlamentar e o braço direito de Costa no Largo do Rato poderem vir a extremar posições. Isto porque, para esse parlamentar, o PS não pode embarcar numa lógica de confronto entre “populistas” anti-partidos e “defensores da opacidade”. Por isso, questiona: “Qual é o interesse, em véspera de Congresso, desta guerra sem quartel?”
Outro deputado, também sob anonimato, confidencia que no grupo parlamentar o assunto tem sido incontornável. E até antecipa que Ana Catarina Mendes possa vir a levar os textos finais do pacote da transparência – que não se aplicará apenas a políticos, mas, entre outros, também a juízes e magistrados do Ministério Público – a votação interna da bancada.
O mesmo interlocutor não poupa, no entanto, um terceiro elemento: Pedro Nuno Santos. Isto porque, na sua opinião, existe igualmente uma guerra silenciosa entre o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e a deputada. “Tudo a pensar no futuro”, resume, ironicamente, referindo-se à liderança no pós-Costa.
Ainda assim, nas hostes socialistas, há quem vislumbre um segundo motivo para que a fricção entre Carlos César e Ana Catarina Mendes tenha vindo a agudizar-se: a mulher que manda no aparelho (na ausência de Costa) substituiu o filho do líder parlamentar, Francisco César, na presidência da Comissão Organizadora do Congresso – que decorrerá entre 25 e 27 de maio, em Matosinhos – pelo ex-secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos. “O César não perdoa a Ana Catarina”, ouviu a VISÃO.
E mais: a um ano das eleições europeias, a temperatura promete aumentar, uma vez que tanto Carlos César como Ana Catarina Mendes têm sido apontados como possíveis cabeças-de-lista do PS – Francisco Assis deverá deixar Bruxelas – e têm marcado terreno conforme podem.
Até à hora de publicação deste artigo, Ana Catarina Mendes e Carlos César não acederam à tentativa de contacto da VISÃO.