O fabrico e venda de substâncias anabolizantes – que permitem aumentar os músculos, reduzir a percentagem de gordura corporal, aumentar a força ou reduzir o tempo de recuperação muscular – tem sido em Portugal uma espécie de terra sem lei. Isto porque o tráfico de substâncias e métodos proibidos, previsto na Lei Antidopagem no Desporto, se aplica apenas à venda a atletas federados ou que participem em competições (e não a simples praticantes de musculação, os principais alvos destas redes de tráfico de esteroides). Um vazio legal não permite encaixá-lo nem na lei do doping nem na lei da droga.
Por essa razão, apesar de algumas destas redes terem lucros astronómicos, e de estar provado que o consumo de substâncias anabolizantes pode ter repercussões graves na saúde, só agora foram pela primeira vez condenados portugueses por traficarem esteroides anabolizantes. A decisão histórica foi tomada a 24 de outubro pelo Juízo Central Criminal de Leiria. A sentença, já transitada em julgado (já não é passível de recurso), condenou cinco arguidos pelos crimes de tráfico de substâncias ou métodos proibidos. A pena mais alta é uma pena suspensa de 3 anos de prisão, a mais baixa é uma pena de prisão substítuida por uma multa no valor global de 1260 euros.
A VISÃO já tinha noticiado a operação da Polícia Judiciária que deu origem a estas acusações, numa longa reportagem sobre os laboratórios clandestinos a fabricar esteroides em Portugal, com testemunhos médicos a corroborar os problemas clínicos decorrentes da toma de anabolizantes e testemunhos de atletas amadores que tinham consumido estes produtos com uma enorme facilidade (“O perigoso mundo dos esteroides”). Ao todo, 19 pessoas – algumas delas com antecedentes ligados ao tráfico de droga – foram apanhadas nessa operação a exportar, distribuir ou fabricar substâncias anabolizantes. Mas só algumas foram acusadas pela 9ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, devido aos obstáculos da lei.
O número de arguidos teria sido maior se se pudesse imputar o crime a quem vende a atletas amadores e não só profissionais. A investigação ainda ponderou aplicar o crime de corrupção de substâncias alimentares ou medicinais, mas também aí se deparou com um obstáculo: não foi possível provar que aquelas drogas falsificadas expuseram os consumidores a risco de vida.
Rui Manuel da Costa, ciclista federado, estava no centro desta rede. Geria há três anos, na cave de um stand de automóveis na zona de Leiria, um negócio de tratamentos de ozono por via intravenosa e de venda de substâncias dopantes. Só pôde ser acusado porque vendia os serviços a atletas profissionais. Comercializava testosterona, propionato, hormona de crescimento ou EPO (eritropoietina), a preferida do ciclismo. Usada na recuperação de doenças oncológicas e na correção da anemia em pacientes com doenças renais crónicas, a EPO, se usada sem controlo médico, pode causar tromboses, embolias, hipertensão.
Apesar das limitações da lei, há anos que a PJ investiga o uso de doping no desporto. Já em 2008, inspetores acompanhavam no terreno uma prova de ciclismo em Amarante quando um dos atletas da LA-MSS (Bruno Neves) morreu durante o percurso. Os especialistas falam em pelo menos três mortes em Portugal decorrentes da toma destas substâncias.