Quase dois milhões de euros para transformar o Campo das Cebolas em Lisboa numa praça “despretensiosa e acolhedora”, como referiu no arranque do projeto o arquiteto responsável Carrilho da Graça. Mas ali, entre a rua dos Bacalhoeiros e a da Alfândega, onde está a nascer o novo parque de estacionamento da EMEL, há dúvidas que persistem: estavam ou não os solos escavados para o arranque da obra contaminados com resíduos perigosos? E foram ou não encaminhados ilegalmente para aterros não licenciados para o efeito?
A suspeita foi levantada num artigo alargado da VISÃO sobre o tema dos solos contaminados em obras de Lisboa. E logo as dúvidas se adensaram. É que se é verdade o plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição, que acompanhou o caderno de encargos, apontava para quase 12 mil m3 de solos e rochas contendo substâncias perigosas, o certo é que agora a Câmara de Lisboa vem dizer que “foram feitos ensaios que concluíram pela inexistência de solos contaminados”, numa resposta enviada há duas semanas à VISÃO.
Se assim é, então por que razão é que durante as escavações foram enviadas 25 toneladas de solos contaminados para um dos CIRVER – Centro Integrado de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Perigosos? Esse encaminhamento foi confirmado à VISÃO pelo próprio CIRVER-Ecodeal, mas a Câmara de Lisboa, confrontada com esta contradição ainda não respondeu. Que informações têm o município sobre estes solos e de que ensaios está a falar?
A obra, adjudicada à ABB Construções, arrancou há vários meses. No local várias terras foram escavadas e a mesma Ecodeal, que recebeu a tal carga de 25 toneladas de resíduos perigosos, queixou-se no final de outubro à Agência Portuguesa para o Ambiente de uma “ possível desclassificação de solos” no Campo das Cebolas.
Também o outro CIRVER – o SISAV – foi consultado para dar preço para esta obra. E o presidente executivo Filipe Serzedelo explicou à VISÃO que“houve de parte do donos de obra ou da empresa que faz a gestão dos resíduos da obra, falta de informação sobre a classificação”, dado que o estudo sobre a possível contaminação “iria ser feito mais tarde por entidade externa”.
As informações recolhidas pela VISÃO dão conta de que a ABB só adjudicou o estudo para avaliação de possível contaminação muito depois de a obra ter arrancado e até de já terem sido encaminhadas as tais 25 toneladas para a Ecodeal.
O caso levanta dúvidas. E levou em março de 2016 a uma ação de inspeção extraordinária por parte da Inspeção-Geral da Agricultura e Ambiente (IGAMAOT). Foi a própria entidade pública que o confirmou à VISÃO, esclarecencdo que “no local foi confirmada a existência de um depósito antigo (alegadamente de armazenamento de combustível) e das areias que estavam junto ao mesmo, sendo que o referido depósito se encontrava vazio não tendo sido identificado qualquer sinal de derrame proveniente deste”. Na mesma resposta o IGAMAOT garante que dessa inspeção “não resultaram evidências de que as areias estariam contaminadas com hidrocarbonetos”.
O que é certo é que houve 25 toneladas encaminhadas para o centro de recolha de resíduos perigosos, alegadamente já depois dessa inspeção.
Verdes questionam Governo
E foi isso que levou também o grupo parlamentar dos Verdes a questionar o Governo, através do Ministério do Ambiente. Na pergunta, a que a VISÃO teve acesso, questiona-se o Executivo sobre se tem ou não conhecimento de encaminhamentos ilegais de solos contaminados no Campo das Cebolas e se “não considera o Governo que o facto de a empresa a quem foi adjudicada a obra solicitar o estudo sobre a possível contaminação numa fase posterior ao início da obra por uma entidade externa, poderá fazer com que já não se encontrem sinais de contaminação”.
O deputado José Luís Ferreira pede ainda garantias ao Governo de que todos os procedimentos tenham sido cumpridos e que não tenham existido “falhas que ponham em causa a saúde pública e o meio ambiente”.