O banco público sentou-se hoje na cadeira dos réus da Assembleia da República e, tendo em conta a primeira amostra das inquirições – a audição a José de Matos, o presidente da Caixa Geral de Depósitos que está de saída -, o escrutínio promete ser quente.
Pela primeira vez, os deputados constituíram uma comissão de inquérito a um banco em plena atividade de funções. “Uma autópsia a um banco vivo”, como classificou o deputado do PS João Paulo Correia.
Um banco que tem neste momento em Bruxelas um plano de recapitalização pública por aprovar. Um banco que, pela sua condição pública, promete elevar a troca de acusações a nível político a um nível que não se viu noutras comissões de inquéritos.
E José de Matos não se poupou a críticas. Apontou o dedo a Passos Coelho por ter falado consigo “através dos jornais”, numa referência ao momento em que o então primeiro-ministro manifestou preocupação pública pelo facto da Caixa não ter reembolsado ao Estado.
Logo na intervenção inicial fez também questão de dizer que a administração de que faz parte e os trabalhadores da CGD tralharam nos últimos meses num quadro de exceção salarial, claramente discriminatório face aos seus concorrentes do setor. E quando o PSD, pela voz de Hugo Soares, lhe perguntou quando soube que ia deixar de ser presidente da Caixa, hesitou. Primeiro respondeu que “talvez” tenha sido no dia 16 de abril”, quando “todos os portugueses souberam”, numa referência a uma notícia do Expresso sobre a ida de António Domingues, vice-presidente do BPI, para o banco do Estado. Mas logo depois admitiu que o mesmo António Domingues o avisou antes de que tinha sido convidado para o cargo.
Estando a CGD sob intensa suspeita nos últimos meses, José de Matos desvalorizou que isso tenha tido impato na operação do banco. “O máximo que tivemos nos nossos balcões, foram pessoas inquietas a perguntar o que se está passar. Mas não tivemos perda de depósitos”. Um momento estranho, com a luz da sala a apagar-se de repente, deixando o presidente da CGD a falar sem demonstrar qualquer perturbação.
Não escondeu a falta de “orgulho” em ter assinado os prejuízos da Caixa nos últimos cinco anos, mas desmentiu qualquer acusação de que tenha escondido perdas. Mostrando uma apresentação com a evolução de vários indicadores do banco, admitiu um desvio 1.916 milhões de euros nos lucros previstos no plano de reestruturação negociado com Bruxelas.
“Talvez no dia 16 de abril. Soube quando todos os portugueses souberam”, numa referência a uma notícia do Expresso sobre a ida de António Domingues, vice-presidente do BPI, para o banco do Estado. Mas depois acrescenta que soube antes. António Domingues avisou-o que tinha sido convidado para ser presidente da Caixa. Desde então, teve conversas informais, mas garante que não deu informação confidencial.José de Matos revela que recebeu uma carta ontem do BCE a dizer explicitamente que não está autorizado a transmitir informação trocada com o supervisor. E acrescenta que está em discussões para clarificar a interpretação dada pelo BCE. “Não estou em condições para dar o valor”.
E a inquirição a José de Matos mostrou aos deputados que os constrangimentos que já tiveram noutras comissões de inquérito ao sistema financeiro, vão voltar nesta da CGD. O presidente do banco do Estado disse que ontem mesmo recebeu uma carta do BCE a reafirmar que não deve transmitir aos deputados informação trocada com o supervisor. E José Matos COrreia, que lidera a comissão de inquérito, aproveitou para clarificar que já recebeu um documento dos serviços jurídicos do Banco de Portugal a reforçar a interpretação de sigilo bancário e de supervisão em vários assuntos que vão estar a escrutínio ao longo dos próximos meses na Assembleia.
Para já, sobre as necessidades de capital da CGD, José de Matos apenas adiantou que desde o primeiro semestre de 2015 que foi detetada essa exigência.