Mário Ceteno, ministro das Finanças do atual governo, aproveitou a audição, ontem, na comissão parlamentar de Economia e Finanças, para lançar a bomba: “Há um desvio enormíssimo do plano de negócios e de reestruturação que atinge verbas superiores a 3 mil milhões de euros”. E, sem explicar que o desvio não corresponde a um buraco nas contas nem que tal se devia, sobretudo, à queda das taxas de juro da zona euro – o que não permitiu atingir os objetivos delineados -, atribuiu a responsabilidade da situação ao governo anterior por este não ter acompanhado a execução do plano de negócios e de reestruturação negociado com a Comissão Europeia.
O Jornal de Negócios explica que a diferença entre a previsão e os números que se vieram a verificar “terá ditado uma queda de 2 400 milhões nos proveitos da CGD face ao montante inscrito no plano”, tendo a margem financeira “ficado 2 mil milhões aquém do previsto”. Junta-se ainda, de acordo com o Negócios, as comissões bancárias, que “acabaram também por ser inferiores ao programado devido, entre outros fatores, às limitações regulatórias entretanto criadas”.
António Leitão Amaro, vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, saiu em defesa do seu partido e do governo de Passos Coelho, acusando Centeno de estar a cometer “mais um ato muito gravoso” contra a CGD: o de “aumentar a incerteza e insegurança”.
Não há um buraco nas contas e os desvios, de facto, acontecem, até no ministério das Finanças. Prova disso são as declarações de Vítor Gaspar, antecessor de Centeno na pasta, ou do próprio Passos Coelho, quando era primeiro ministro. Ambos falaram, a um momento ou noutro, de desvios – um no estado do País, outro nas expectativas dos portugueses.
O primeiro a falar de desvios foi Passos Coelho, numa reunião do Conselho Nacional do PSD. Corria julho de 2011, Passos tinha acabado de chegar a São Bento e partilhava com os seus companheiros de partido que os membros do governo tinham ficado “surpreendidos com o desvio que encontraram em relação ao que o anterior Governo dizia”. Prometia não ia adotar a estratégia de se queixar da herança do PS, mas garantia que se tratava de “um desvio colossal em relação às metas estabelecidas”. Mais tarde, saber-se-ia que Passos não teria usado exatamente essa formulação e que a expressão “desvio colossal” se devia a uma omissão de palavras. Em vez de “‘desvio colossal”, o que Passos teria dito é terem sido “detetados desvios e o cumprimento das metas orçamentais vai exigir-nos um trabalho colossal.”
Desvio em relação às metas, dizia Passos – desvio em relação às previsões, disse ontem Centeno. E o “colossal” deu lugar ao “enormíssimo”, superlativo de “enorme”.
Mas os desvios não se ficaram por aqui. Depois de Passos, foi a vez de Vítor Gaspar falar de desvios. Não se referia a dinheiros nem a contas públicas, mas sim a expectativas e à visão que os portugueses têm do Estado Social. Dizia ele, em outubro de 2012, que “existe aparentemente um enorme desvio entre o que os portugueses acham que devem ter como funções do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar.” No seu entender, o que os portugueses pagavam não permitia o retorno que o Estado lhes dava. E explicava, posteriormente, que “a verdadeira carga fiscal é a despesa pública. Consequentemente, quando existe descontentamento – que eu partilho – com o aumento carga fiscal, a solução é uma só: reduzir a despesa pública. Mas é uma redução difícil, exige repensar as funções do Estado e alterar profundamente a forma como o Estado opera. Considerar que é possível encontrar uma solução milagrosa é enganar os portugueses”. E concluiu que “é necessária uma grande maturidade da democracia e do sistema político português para ser capaz de resolver esta questão fundamental”.
Na mesma altura em que proferia estas palavras, Gaspar pedia a Passos Coelho para sair do governo, o que só veio a acontecer em julho de 2013. De então para cá, o Estado não foi reformado, como prometeu Passos. E os desvios continuaram na boca dos portugueses.