Margarida de Santos Sousa, Manuela e José Gonçalves, e Natália Teixeira Syed. Todos quatro têm nomes portugueses, todos quatro vivem em Paris, todos quatro abriram as portas dos seus prédios, no dia 13 de novembro de 2015, para socorrer quem fugia das balas que ecoavam na sala de espetáculos “Bataclan”.
Nessa noite, morreram 130 pessoas – pelo menos uma perdeu a vida no pátio de Natália, uma lusodescendente. Muitos outros se terão salvado graças a gestos como este – um abrir de portas, num momento em que a polícia recomendava aos habitantes de Paris que se recolhessem em casa. O gesto de Natália, Margarida, Manuela e José não passou ao lado das autoridades francesas e, a 23 de janeiro, os “anjos da guarda”, como lhes chamou a autarca de Paris, foram condecorados pela cidade.
Quase seis meses depois, a 10 de junho, dia de Portugal, de Camões e – este ano com maior destaque – das Comunidades Portuguesas, Margarida de Santos Sousa, Manuela e José Gonçalves, e Natália Teixeira Syed voltarão a juntar-se para receber, desta vez das mãos do Presidente da República Portuguesa, a comenda da Ordem da Liberdade. Trata-se, conforme a carta enviada aos visados pelo embaixador de Portugal em França, de um “reconhecimento público pela sua extraordinária coragem na fatídica noite dos atentados de 13 de novembro, em que [cada um] albergou e prestou auxílio a vários espectadores que fugiram do cenário de horror que se estavam a verificar na sala do Bataclan.”
A cerimónia está marcada para a Marie (Cãmara Municipal) de Paris e tem a presença confirmada do Presidente francês, François Hollande.
No dia seguinte, outras cinco pessoas (dois portugueses e três franceses) hão de receber, de Marcelo Rebelo de Sousa, condecorações pelo trabalho realizado com ou em prol da comunidade portuguesa emigrada em França.
Veja aqui quem são os portugueses (e franceses) condecorados no primeiro 10 de junho comemorado fora de Portugal, junto das comunidades portuguesas que se comemoram nesse mesmo dia?
Margarida de Santos Sousa, Ordem da Liberdade
Mais de seis meses depois do ataque terrorista ao “Bataclan”, Margarida conta que, lá fora, a rua “parecia uma guerra autêntica”, com “as pessoas a gritarem, a pedirem auxílio”. Viviam um “terror completo.” Por isso, Margarida, de 57 anos (dos quais 35 em França e 28 naquele bairro), abriu-lhes as portas de sua casa. As pessoas “tentaram esconder-se e queriam que apagássemos as luzes e fechássemos as cortinas, para se poderem esconder. Uma acabou por se esconder debaixo da mesa com medo. Depois, chegou outra com duas balas nas costas, que deitámos no meu sofá e uma médica veio ajudar, até chegarem os bombeiros.”
Manuela e José Gonçalves – Ordem da Liberdade
Marido e mulher, de 48 e 50 anos, respetivamente, ele de Fafe, ela da Maia, a viver há 26 anos no bairro do Bataclan. Passaram a noite de 13 de novembro a socorrer vítimas. “Abri a porta e vi essas pessoas todas a entrar, havia mais de 80 pessoas. Entraram alguns a berrar, outros a chorar (…) vinham com t-shirts cheias de sangue.”
Deixaram-nas entrar para o pátio do prédio, evitando que fossem atingidos pelos disparos e ajudaram todos quantos precisavam de auxílio. Enquanto José apoiava as centenas de jovens que se refugiava no pátio, Manuela cuidava de uma jovem, grávida de dois meses, atingida nas pernas pelos disparos, que não parava de perguntar pelo namorado.
A maior parte dos que entraram “eram jovens. Eu pensei logo nos meus filhos e gostava que fizessem a eles o que fiz aos outros. É normal, é humano, estamos aqui para nos ajudarmos uns aos outros”, justifica Manuel à Lusa, mais de seis emses depois do sucedido.
Natália Teixeira Syed – Ordem da Liberdade
Também deixou entrar no prédio as pessoas que fugiam das balas disparadas no “Bataclan”. Nascida em Bondy (arredores de Paris), Natália é filha de emigrantes de Ourém e casada com Gabriel, um paquistanês, muçulmano, que se exilou em França por ter “a cabeça a prémio”, por motivos políticos.
Ao perceber o que se passava à sua porta, Natália não hesitou em abrir os portões. O pátio parecia “um campo de guerra”, conta hoje, com “sangue por todo o lado, sapatilhas, calças de ganga, roupa cortada, seringas, papel…”. Recordado aquela noite, conta à Lusa que “houve quatro operações aqui em frente de casa. Uma [pessoa] morreu logo que chegou. Uma outra abalou daqui mas não temos a certeza se sobreviveu e duas outras vítimas abalaram daqui e estavam mais ou menos estabilizadas”. Garante que fez o que pôde para ajudar, desde dar “garrafas de água, cafés, cobertores, falar com as pessoas” e dar “muitos mimos e abraços”. “Até o gato fez de psicólogo”, contou à Lusa.
Antes de tudo acontecer, Natália preparava-se para deixar o marido e dois filhos a ver televisão e sair, com a filha, para ir beber um copo ao Bataclan. Mas um sms a dizer “Há confusão no vosso bairro” mudou-lhe os planos.
E dia 11, em Champigny… Marcelo Rebelo de Sousa condecorará dois portugueses e três franceses que se destacaram na história da comunidade portuguesa residente em França:
Maire Louis Talamoni – Ordem da Liberdade
Foi, durante largos anos, entre 1956 e 1972 (data da extinção do bidonville que foi crescendo num baldio de Champigny), o protetor de famílias portuguesas que, chegadas a França, se alojavam no bidonville (bairro de lata) em Champigny. Nesses anos, Talamoni, então presidente da câmara de Champigny, providenciou à comunidade desfavorecida de portugueses o fornecimento de água e eletricidade, a escolarização das crianças, o acesso aos cuidados de saúde, a recolha do lixo e a instalação de esgotos. Com esta ação, terá conduzido o município quase à falência e ganho a oposição da maioria da população local. A insignia é imposta a título póstumo.
Maire Dominique Adenot – Ordem do Mérito
É o atual presidente da câmara de Champigny e tem, de acordo com a Presidência, demonstrado “um especial interesse e empenho junto da comunidade portuguesa e luso-descendente do município que dirige.”
Joaquim Silva e Sousa – Ordem do Mérito
Provedor da Santa Casada da Misericórdia de Paris, tem acompanhado e apoiado inúmeros portugueses, em numerosas situações difíceis, sejam novos emigrantes como outros, que se encontram em França há muito, idosos e desempregados, que necessitam de apoio social.
Valdemar Francisco – Ordem do Mérito
Residente em França há 56 anos, construiu, a pulso, um grupo de empresas de construção civil que emprega diretamente 142 pessoas e contrata outras 210, na maioria portugueses ou luso-descendentes. No entender de Belém, Valdemar Francisco tem dado um assinalável contributo para o bem-estar, afirmação coletiva e aumento da visibilidade da comunidade portuguesa, bem como para a preservação da Memória Histórica da Imigração e do estabelecimento da Comunidade Portuguesa na zona de Paris.
Gérald Bloncourt – Ordem do Infante D. Henrique
Um dos mais conhecidos e respeitados repórteres fotográficos franceses conhecido como “o fotógrafo dos portugueses”, com as suas reportagens emblemáticas sobre o percurso dos emigrantes de Portugal até França, nos anos 50 e inícios da década de 60 do século passado.