Já há quem lhe chame o TTIPleaks. As palavras luminosas projetadas durante a noite sobre as paredes do Parlamento alemão denunciavam em formato gigante excertos do texto do Tratado Transatlântico de Comércio entre EUA e União Europeia (TTIP). Era a Greenpeace Alemanha a divulgar para o mundo palavras que têm estado escondidas do olhar de todos, até dos deputados europeus e nacionais, em salas de leitura secretas no Parlamento Europeu ou das embaixadas norte- americanas, onde só é possível entrar despido de qualquer tecnologia ou contacto com o mundo exterior.
A aura de secretismo em volta deste acordo de comércio entre EUA e UE tem deixado à beira de um ataque de nervos governos nacionais, eurodeputados e partidos. E a divulgação das informações da Greenpeace só aumentaram a tensão, ao ponto do governo francês ameaçar que não vai assinar o Acordo de Parceria enquanto não sejam dadas garantias de que serão respeitadas normas sanitárias, alimentares, sociais, culturais e ambientais.
Governo português empenhado em manter acordo
Por cá, o Governo português não quer embarcar nesta onda de recusa. Apesar da secretária de Estado dos Assuntos Europeus assumir à VISÃO que “os estados-membros não conhecem os documentos da negociação, propriamente ditos, dos EUA” e que houve alguma “apreensão” com a fuga de informação que se gerou, “Portugal mantém a convicção da importância que este acordo reveste para a União Europeia e para os interesses nacionais”.Até porque “as informações regulares que a Comissão dá aos Estados-membros sobre o andamento das negociações permitem que Portugal esteja ciente das principais dificuldades que as posições americanas suscitam e das dificuldades e insistências dos EUA, pelo que se pode dizer que não há surpresas.”, garante a governante.
Margarida Marques defende que “os Estados-membros deverão assumir uma posição una e solidária de apoio à Comissão Europeia para ultrapassar as atuais dificuldades e prosseguir estas negociações, levando-as a bom porto e satisfazendo as preocupações expressas por todas as partes”.
Tendo em conta o cenário de apreensão que a fuga de informação gerou, a secretária de Estado diz que cabe agora “prestar os esclarecimentos necessários para minimizar as dúvidas suscitadas” e garante que “o Governo tem procurado responder a todas as questões colocadas e continuará empenhadamente a fazê-lo.
As salas secretas onde se pode apenas “ler” informação
Mas o TTIP preocupa. E a falta de informações sobre o acordo é o principal motivo para essa desconfiança. Os deputados da Comissão de Assuntos Europeus têm estado em cima do tema e exigido às várias instâncias que lhes enviem os documentos para analisarem o que está a ser acordado entre UE e EUA. O acesso não tem sido fácil. No final da Legislatura passada, a embaixada dos EUA em Portugal mandou dizer ao Parlamento que os deputados que quisessem consultar os documentos existentes sobre o TTIP teriam que se deslocar às suas instalações, depois de um pedido previamente aprovado, e só poderiam consultá-los se não tivessem consigo qualquer meio tecnológico que lhes permitisse fotografar ou copiar a informação a que acedessem.
Nenhum parlamentar se quis sujeitar ao que Isabel Pires, do Bloco de Esquerda, classifica como um “método antidemocrático” de tratar assuntos de Estado. E o mesmo está a acontecer agora com os documentos sobre o TTIP que a Comissão Europeia em Portugal tem disponíveis para consulta dos deputados.
O método é o mesmo: sem telemóvel, computador ou qualquer outro aparelho que permita fazer qualuqer registo do seu conteúdo. Só quem cumprir esta norma poderá aceder aos documentos que estão na Direção Geral de Assuntos Europeus no Palácio Cova da Moura.“Os documentos são consultados na sua língua original – Inglês e não é possível fotocopiar documentos, nem levar para dentro da sala computadores/tablets, sendo a consulta sempre acompanhada.”, pode ler-se na missiva enviada à Comissão parlamentar.
As 248 páginas referentes às conversações entre a União Europeia e os EUA que a secção holandesa da Greenpeace revelou, referem-se a políticas de proteção ambienal, saúde e segurança alimentar. E mostram que tem havido uma ameaça dos EUA de dificultar a exportação de automóveis europeus para o seu território, se a UE não aceder a facilitar o consumo de produtos agrícolas americanos, considerados de maior risco ambiental.
Mas a secretária de Estado dos Assuntos Europeus garante, à VISÃO, que a Comissão Europeia tem negociado no “estrito entendimento” de que “as Partes não irão promover o comércio ou investimento estrangeiro direto, diminuindo os standards laborais, da saúde ou de segurança legislação ambiental nacional, ou enfraquecendo normas, legislação ou políticas laborais destinadas a proteger e promover a diversidade cultural”. E assim, acredita que “há uma garantia suficiente de que os padrões da UE em matéria de proteção das pessoas e do ambiente serão preservados, assim como o direito de cada uma das Partes de regular no interesse público”. Garante, aliás, que “nenhuma outra solução seria aceitável para Portugal nem para os restantes Estados-membros a quem cabe – como ao Parlamento Europeu – a competência para aprovar o resultado das negociações”.