Diz-se que de longe se vê melhor o quadro. No dia em que, mais uma vez, Passos Coelho reuniu com Cavaco Silva, “informando-o de diligências”, Stewart Lloyd-Jones, professor da Universidade de Stirling (Escócia), e diretor da plataforma de investigação “Contemporary Portuguese History Online”, classifica a situação de impasse governativo em Portugal como “muito complexa e inédita na história portuguesa” .
O professor escocês faz um paralelo com o que aconteceu, recentemente, em 2010, no Reino Unido. Os conservadores de Cameron venceram com maioria relativa e não formaram governo sem o apoio dos liberais democratas (um partido à esquerda, que se assemelha ao nosso PS). Governaram em coligação durante cinco anos e, mesmo em termos de políticas sociais, daí resultou mais austeridade e “medidas ainda mais de direita” do que no governo de Margaret Thatcher. Como é que foi possível? Ninguém sabe, responde o professor. O certo é que, nas eleições deste ano, o partido liberal perdeu mais de 40 dos seus lugares no parlamento e baixou no “ranking” para quarto partido.
No entanto, este exemplo inglês não faz com que o professor aconselhe ao PS uma coligação com a esquerda. “Ambas as forças, a PàF e o PS, têm primeiro de perceber que perderam as eleições”, afirma Stewart Lloyd-Jones. “A PàF tem de entender que perdeu o direito a governar sozinha, mas o PS também não ganhou”. Mas enquanto isso… há um país à espera de ser governado.
Dadas as dificuldades de Costa em formar governo estável (mesmo, ou sobretudo, a nível interno no PS), ao investigador parece-lhe mais sensato, e até prudente, que o PS dê oportunidade a Passos de governar, viabilizando-lhe o orçamento, e aguarde eleições antecipadas. “Se o impasse continuar, os mercados vão reagir negativamente e mesmo Bruxelas não vai querer criar uma nova Grécia na Europa”. É uma questão pragmática, sustenta. Se se juntar à direita de PàF pode ser punido como os liberais, em Inglaterra. Se se coligar com partidos de esquerda, também. Portanto, resta-lhe “ganhar terreno para investir, sim, mas após as presidenciais”.
No pólo oposto, o politólogo e professor do ISCTE André Freire adverte para o perigo de o impasse se prolongar: “Pode acontecer que o novo governo nunca entre em funções”. Para tal, basta que, depois de indigitada a coligação, o seu programa seja chumbado no Parlamento e “a bola” seja chutada de novo para o presidente. O PS, advoga, deve fazer mais do que “oposição obstrutível”. E isso só se viabilizaria “se fosse capaz de construir pontes à esquerda com horizontes de estabilidade”. Isto seria uma solução inédita – “pela primeira vez, as esquerdas, sempre de costas voltadas, entendem-se”, indo contra a tradição portuguesa, mas não contra a constituição.
Segundo o politólogo portugês, “colocar o pais em lume brando até às presidenciais, com um governo de gestão, é uma péssima opção. Um país não pode permanecer congelado durante meses…”. O entendimento à esquerda pode ser difícil, em várias frentes, “mas no PS há uma liderança, e os seus deputados têm disciplina de voto no que toca a apoiar o programa do seu partido e o seu orçamento. Isto não é uma anarquia”. Fala-se muito no papão dos mercados, dos juros da dívida subirem ainda mais, “como se os mercados fossem um bicho de sete cabeças”. Os governos não se devem reger pelo que querem as agências de rating, mas pela democracia, defende. “Mas, a verdade é que aquilo que os mercados mais temem é a instabilidade, a imprevisibilidade, a incerteza… Muito mais do que a cor política de quem está à frente dos estados.”