Nunca os olhos de um ser ainda vivo havia assistido a um degelo tão rápido e devastador. Em menos de uma semana, entre 8 e 12 de julho, 97% da superfície da Gronelândia derreteu-se, em graus variáveis, dando origem a enxurradas que arrastaram pontes e provocaram calafrios a quem viu os vídeos, no YouTube. Algo de semelhante só ocorre de 150 em 150 anos. Num verão normal, apenas metade da área gelada é atingida.
“Pode ser que este degelo tenha sido causado por variações naturais que só acontecem raramente”, afirmou Tom Wagner, o responsável pelo programa da criosfera da NASA, a agência espacial norte-americana.
Mas dados revelados na semana passada pelo projeto Berkeley Earth Surface Temperature, mostram que, durante os últimos 250 anos, a terra aqueceu cerca de 1,5 graus centígrados. O estudo foi coordenado por um cético das alterações climáticas, o físico Richard Muller, que reconheceu ter mudado de opinião face aos resultados obtidos pela sua equipa. Será o degelo da maior ilha do mundo já um sinal inequívoco do modo como a ação humana alterou o clima? O certo é que a 16 de julho se soltou um iceberg do glaciar Petermann, também na Gronelândia. A massa de gelo tinha cerca de 150 quilómetros quadrados, duas vezes a área da ilha de Manhattan. O desprendimento ocorreu depois de, em 2010, um outro gigante branco, com quatro vezes o tamanho de Manhattan, se ter libertado do mesmo glaciar.
Enquanto o desaparecimento do manto à superfície se ficou a dever a elevadas temperaturas ambiente, a formação do iceberg foi causada por uma anormal temperatura da água do mar. Durante as últimas duas décadas, a Gronelândia tem deixado escapar, anualmente, o equivalente a 150 mil milhões de toneladas de gelo. Todos os anos, este degelo é responsável por um aumento de meio milímetro do nível médio das águas do mar.
O MENINO VEM AÍ
O degelo no Atlântico Norte não é o único sinal dos distúrbios do clima. Em Pequim, chuvas ferozes caíram 541 milímetros, no distrito de Fangshan mataram 77 pessoas, causaram prejuízos de 1,8 mil milhões de euros e afetaram 1,6 milhões de pessoas, segundo dados das autoridades chinesas. Entre 21 e 26 de julho, as ruas da capital transformaram-se em rios caudalosos e impediram a circulação de viaturas e de peões. Vários voos foram cancelados e milhares de passageiros ficaram presos, no aeroporto.
Do outro lado do Pacífico, o Midwest americano passa por uma das mais severas secas de que há memória. Em meados de julho, 55% do território continental do país estava em situação de escassez de água. O celeiro dos EUA foi seriamente afetado, prejudicando severamente as produções de soja e de milho. Apenas as secas dos anos de 1930 que ficaram conhecidas na história como o período de Dust Bowl, evocado nas Vinhas da Ira, de John Steinbeck tiveram uma dimensão equivalente.
Entretanto, no Pacífico, o mais temido “menino” está a acordar. O fenómeno conhecido por
El Niño corresponde a um aquecimento anormal e cíclico das águas do mar, junto da costa do Peru é responsável por distúrbios globais do clima. Segundo a National Oceanic and Atmospheric Administration, as probabilidades de
El Niño despertar já este verão são elevadas.
De acordo com esta agência do Governo norte-americano, os próximos outono e inverno serão guiados pela sua batuta.
E, então, o tempo voltará a ficar louco.