Matthew Chao, Oswaldo Trump e Adrian Hong Chang. Três nomes para uma só pessoa. A qual, em teoria, pode ter muitos mais apelidos. Só passaportes, deve possuir uns quatro: dos Estados Unidos da América, do México, mais um de um estado europeu e outro de um país asiático. Quanto a profissões, é um indivíduo de múltiplos talentos e afazeres. Como empresário é capaz de ter negócios e escritórios em Toronto, no Dubai e em Seul. Mas o seu suposto CV inclui muitas outras atividades: consultor e comentador político, professor universitário, especialista em musicoterapia, ativista dos direitos humanos, etc. Como já deve ter percebido, a esta lista falta acrescentar o óbvio: este senhor de 35 anos, descendente de norte-coreanos, é suspeito de colaborar com os serviços de informações de vários governos. Dito de forma mais clara, tem as credenciais de um espião. Agora, por ironia do destino, encontra-se com a cabeça a prémio e sobre si pende um mandado internacional de captura. Motivo: é acusado de ter liderado o comando que atacou a Embaixada da Coreia do Norte em Madrid, a 22 de fevereiro, numa operação violenta e rocambolesca.
Comecemos pelos preparativos do assalto, cujos detalhes foram divulgados pela Audiência Nacional de Espanha e pelo juiz diretamente responsável pelo caso, José de la Mata. De acordo com os autos, Adrian Hong Chang e nove outros indivíduos planearam durante meses a entrada na delegação diplomática norte-coreana, no número 43 da calle Darío Aparicio, no bairro madrileno de Valdemarín. A investigação permitiu não só identificar o grupo como chegar à conclusão de que os primeiros elementos estiveram na capital espanhola em junho do ano passado, em dois hotéis localizados a poucas centenas de metros da embaixada. A 7 de fevereiro, Adrian Chang dirigiu-se às instalações, apresentou-se como empresário – sob a identidade de Matthew Chao – e foi recebido pelo encarregado de negócios. As circunstâncias deste encontro não foram reveladas mas, em contrapartida, sabe-se que Chang/Chao e respetivos compinchas gastaram 616 euros num miniarsenal de objetos paramilitares, numa loja de Madrid, 48 horas antes do ataque: seis pistolas falsas; cinco coldres para revólver; quatro punhais; quatro pares de óculos de atirador; cinco lanternas táticas; uma escada telescópica multifunções; um corta-cavilhas; 33 rolos de fita-adesiva; e ainda alicates, manilhas e arneses.
Amigos da CIA e do FBI
No dia da verdade, às 16h48, Adrian Chang e companhia colocaram-se estrategicamente junto ao complexo diplomático. Às cinco em ponto, o líder do grupo toca à campainha. Identifica-se e pede para falar novamente com o encarregado de negócios, Yun Sok So. Abrem-lhe a porta e os três funcionários que estavam no jardim deixam-no sozinho, pedindo-lhe que aguarde. Ele aproveita a ocasião, avisa os camaradas de armas e escancara-lhes a porta de entrada. Em poucos minutos, o grupo localiza e neutraliza seis pessoas: Yun Sok So, a mulher e o filho menor deste último (que se barricaram inicialmente num quarto) e os três outros funcionários. Todos recebem o mesmo tratamento: insultos, intimidações e agressões, em particular o chefe da missão, pressionado para revelar segredos, entregar material classificado e desertar. Só que no meio de tanta confusão, aos assaltantes terá escapado a mulher de um dos funcionários, que foge por uma varanda e salta do segundo andar do edifício. Apesar do estado de choque e da fratura na bacia, ela alerta um transeunte que chama uma ambulância e a polícia. Os atacantes deveriam estar prevenidos para este tipo de contratempos. Quando o piquete policial chega, já Adrian Chang os espera tranquilamente, assumindo-se como a autoridade máxima da embaixada e lhes garante que está tudo bem, enquanto exibe um pin de Kim Jong-un, o Presidente norte-coreano, na lapela do casaco. No interior, prosseguem os interrogatórios e o roubo de material audiovisual e informático. Às 21h30, os assaltantes começam a sair da embaixada. Oito deles fazem-no através de três veículos da própria delegação diplomática. O líder e um outro elemento abandonam as instalações dez minutos depois, à socapa e pelas traseiras, após terem chamado um Uber, em nome de Oswaldo Trump.
A investigação reconstituiu os passos dos agressores e fez saber que Adrian Chang viajou nessa mesma noite para Lisboa, onde, na manhã de 23 de fevereiro, no Aeroporto Humberto Delgado, apanhou um voo rumo a Newark, nos EUA. Quatro dias depois, quando Donald Trump e Kim Jong-un se reuniam em Hanói, no Vietname, Adrian Chang encontrou-se com responsáveis do FBI para alegadamente lhes entregar o material roubado na capital espanhola. Confuso? Para complicar as coisas, depois das revelações autorizadas pelo juiz José de la Mata e de a imprensa espanhola especular sobre as ligações do líder dos assaltantes com a CIA e a secreta sul-coreana, uma misteriosa organização chamada Cheollima Civil Defense (CCD) reivindicou o ataque de Madrid. Criada aparentemente em 2017, tem por objetivo libertar a Coreia do Norte da dinastia Kim e, no mês passado, decidiu também mudar de nome para Free Joseon (Coreia Livre). A 1 de abril, aproveitou o Dia das Mentiras para lançar um ultimato a Pyongyang: os prisioneiros e os opositores políticos têm de ser libertados e o regime tem de abrir-se ao mundo sob pena de ocorrerem “grandes acontecimentos” para “humilhar” Kim Jong-un. Quanto a Adrian Chang, está detido preventivamente nos EUA (em circunstâncias pouco claras), mas já está acusado de vários crimes para que possa ser extraditado e julgado em Espanha. Algo tão inverosímil quanto toda esta história.