Tinha um jeito especial para “envolver a cabeça e o coração”, nas palavras de Laura Hassan, responsável pela editora que, há um ano, anunciava o acordo para publicar dois livros de Lyra Mckee, antevendo que a jovem teria “uma longa e prestigiante carreira na escrita”. A previsão estava parcialmente correta: o prestígio não lhe faltou, como atestam os testemunhos que se multiplicam desde a notícia da sua morte. Mas um tiroteio em Londonderry, na Irlanda do Norte, na quinta-feira à noite, interrompeu-lhe a vida, aos 29 anos.
A história de Lyra Mckee no jornalismo começou cedo, como em tantos casos. Tinha 14 anos quando criou um jornal, na escola que frequentava, em Belfast, e dedicou-se a explorar os efeitos do conflito pelo estatuto político da Irlanda do Norte que fez mais de 3.500 mortos.
Nascida oito anos depois do chamado Acordo de Sexta Feira Santa, ou Acordo de Belfast, em 10 de Abril de 1998, que estabeleceu as bases para um novo governo, com o poder partilhado entre católicos e protestantes, McKee dizia que a sua geração tinha sido “poupada aos horrores da guerra”. “Mas, mesmo assim, os efeitos desses horrores parecem perserguir-nos”, escreveu num artigo publicado pela The Atlantic.
Em 2014, com 24 anos, uma carta dirigida ao “seu eu mais novo” tornou-se viral e valeu-lhe reconhecimento internacional pela sua escrita, enquanto lutava com a experiência de crescer a guardar o segredo da sua homossexualidade:. “A vida é tão difícil neste momento. Acordas todos os dias a pensar quem mais vai descobrir o teu segredo e odiar-te.”
Sem terminar a faculdade, a jovem criou uma plataforma online, o “Muckraker Report”, na qual publicou, aos 23 anos, uma reportagem sobre o único centro da Irlanda do Norte dedicado às vítimas de violação, que tinha perdido o financiamento anos antes. “Há coisas erradas que não se podem consertar”, concluiu McKee, confessando a sua dificuldade em assimilar isto. “Para mim, o jornalismo é salvar o mundo; se eu contasse histórias terríveis, alguém havia de fazia alguma coisa. Alguém havia de reparar.”
Entre as publicações com que colaborou contam-se títulos como o Belfast Telegraph e o Buzzfeed e tornou-se editora no Mediagazer.
“A sua tenacidade, determinação, ambição e empatia faziam dela uma jovem repórter extraordinária… durante anos, ela perseguiu a verdade sem tréguas”, comenta Tina Calder, proprietária da editora que publicou o seu primeiro livro.
Séamus Dooley, da União Nacional de Jornalistas, de que McKee fazia parte, descreve-a, por sua vez, como “uma jornalista de coragem, estilo e integridade”.
Um tweet pouco antes de morrer
“Era uma mulher de grande empenho e paixão. Não tenho dúvidas de que foi esse empenho que a levou a estar presente nas ruas de Creggan na noite passada, a observar uma situação de motim da cidade. Tinha tweetado apenas minutos antes de ser atingida por uma bala”, acrescenta Dooley.
“Derry [Londonderry] esta noite. Loucura absoluta”, a legendar uma imagem de carros da polícia e fumo, é o tweet a que se refere o responsável.
Vários atos violentos marcaram a noite de quinta-feira em Creggan, na cidade de Derry, onde se registaram lançamentos de bombas de gasolina contra carros da polícia e o tiroteio que acabaria por ferir mortalmente a jovem jornalista.
“É provável que o Novo IRA esteja por detrás” desta morte, afirmou o inspetor da polícia da Irlanda do Norte, Mark Hamilton, acrescentando que a polícia está “a tratar do caso como um incidente terrorista”.
“Infelizmente, posso confirmar que depois dos tiroteios desta noite, em Creggan, morreu uma mulher de 29 anos”, disse o vice-chefe da polícia Mark Hamilton, citado num comunicado divulgado no Twitter.
Segundo Mark Hamilton, por volta das 23:00 de quinta-feira, um homem começou a disparar contra a polícia e Lyra McKee “ficou ferida, tendo sido retirada da zona num carro policial até ao hospital, mas, infelizmente, acabou por falecer”.