Pode um intérprete ser chamado a servir de testemunha do que se passou num encontro a dois? Ou é apenas uma espécie de extensão dos intervenientes que não pode, em circunstância alguma, ser chamado a contar o que foi dito, significando que para saber o que um dos elementos disse em dada altura, só mesmo perguntando ao próprio?
É no centro deste dilema que está agora Marina Gross, a intérprete do Departamento de Estado norte-americano que acompanhou o Presidente dos EUA na sua reunião de mais de 90 minutos com Vladimir Putin, na segunda-feira, em Helsínquia.
Na conferência de imprensa conjunta, Donald Trump proferiu algumas declarações polémicas sobre a alegada ingerência russa nas eleições presidenciais dos EUA, tendo inclusivamente acabado por emendar (atabalhoadamente) uma delas: “Eu tenho aqui o presidente Putin. Ele simplesmente disse-me que não foi a Rússia. E eu digo: ‘Não vejo qualquer razão por que teria sido [a Rússia]’“.
No dia seguinte, depois de “rever a transcrição” da conferência de imprensa, Trump veio a público declarar que disse “teria” em vez “não teria”. “Uma espécie de dupla negativa. Acho que isso clarifica as coisas”.
Mas parece que não e, agora, são várias cada vez mais as vozes democratas a pedir que Marina Gross seja ouvida num comité do congresso.
A CNN explica que os intérpretes permanecem, normalmente, no anonimato e que a sua função não é a de tirar notas dos encontros para ficar com um registo, função de que se ocupam outros profissionais. Gross pode ter feito anotações mas por força da necessidade de traduzir em simultâneo e não há, segundo várias fontes ouvidas pela cadeia de informação americana, registo de algum intérprete ter ido ao Congresso falar do que ouviu.
“Seria um precedente horrível se um presidente não fosse livre para falar de um para um com um chefe de estado”, considera Gamal Helal, um intérprete de árabe e conselheiro de quatro presidentes e sete secretários de estado. “Ele usa um tradutor para comunicar porque não o pode fazer numa determinada língua”, continua, sublinhando que não fosse necessária a presença do intérprete, “o Congresso não teria outra forma de saber o que ele disse senão perguntar ao próprio. Ou a Putin”.
“O intérprete é uma extensão do protagonista”, conclui Helal.
A pressão para chamar Marina Gross começou com a senadora Jeanne Shaheen, que alegou no Twitter a sua utilidade “para ajudar a determinar o que o Presidente disse/prometeu a Putin em nosso nome”.