“Se Trump queria perder esta eleição, não poderia ter escolhido melhor.” As palavras de Vincent Chetail, professor de direito internacional no Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, em Genebra, Suíça, ao jornal francês Le Temps encaixam, mais uma vez, na tômbola de críticas que têm sido feitas a Ken Isaacs, o homem que Donald Trump nomeou para se candidatar ao mais alto cargo da Organização Internacional para as Migrações (OIM).
O evangélico que considera que “os direitos provêm de Deus e não dos governos” tem uma vasta carreira em projetos e operações humanitárias em todo o mundo, mas em experiência diplomática, que é quase nenhuma, perde de longe para António Vitorino. O antigo ministro da Presidência e da Defesa Nacional (1995-1997) e antigo comissário europeu para a Justiça e Assuntos Internos (1999-2004) é, segundo a nota emitida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiro aquando da candidatura, em meados de dezembro, “um profundo conhecedor da problemática das migrações, um dos maiores e mais exigentes desafios que a comunidade internacional hoje enfrenta”.
Vitorino faz parte, neste momento, de várias atividades internacionais na área das migrações, como o Advisory Board of the International Migration Initiative (desde 2015) e o Transatlantic Council on Migration (desde 2007).
O concorrente que o português tem pela frente – para já é o único, mas até abril podem surgir outros nomes ou, até mesmo, uma substituição do norte-americano – para o cargo de diretor-geral da OIM, cuja eleição está marcada para 29 de junho, em Genebra, tem um passado de posts deixados nas redes sociais, especialmente no twitter (entretanto desaparecidos, claro), que levanta muitas dúvidas sobre o seu pensamento.
A OIM, que tem 159 países membros e que há dois anos foi aceite como organização “relacionada com as Nações Unidas”, tem um orçamento de cerca de mil milhões de euros para ajudar migrantes um pouco por todo o mundo. Os mesmos que Ken Isaacs separou entre “bons” e “maus” quando escreveu no twitter: “Há dois grupos de refugiados. Alguns podem regressar a casa e outros não. Os cristãos não poderão regressar. Têm de ser a primeira prioridade.” A religião tem sido um dos alvos de Isaacs que, depois de um ataque terrorista em Londres, disse que o Corão “instrui” os muçulmanos para “cometerem atos de violência”.
Há todo um rol de posts, entre 2015 e 2017, que o jornal The Washington Post foi buscar e que revelam o que Isaac disse a propósito de determinados assuntos: o acordo de Paris sobre as alterações climáticas “é uma anedota”; a “água potável não é um direito humano”.
Eric Schwartz, presidente da Refugees International, disse ao The Washington Post que “estas declarações refletem um perturbador preconceito que é incompatível com uma posição de liderança na mais importante organização de migração do mundo”.
Depois do jornal norte-americano pedir um comentário ao Departamento de Estado norte-americano sobre estas declarações, as contas de Isaacs nas redes sociais passaram a ser privadas e foi emitido um pedido de desculpas. O, também, vice-presidente da Samaritan’s Purse, uma organização evangélica de ajuda humanitária, referiu que “está profundamente arrependido” dos “comentários feitos nas redes sociais”. “Fui descuidados e isso causou preocupação naqueles que expressaram a sua fé na minha capacidade para liderar a OIM. Comprometo-me a cumprir os mais altos padrões de humanismo, dignidade humana e igualdade se for escolhido para liderar a OIM”.
A IOM tem como primeiro financiador os EUA, aliás, dos nove diretores-gerais até hoje designados só um não era norte-americano – nos idos anos 1960, um holandês, como o apoio dos EUA venceu a eleição. Pode ser que António Vitorino seja o segundo não americano.