Podia ser uma experiência científica radical, que sujeitava cobaias humanas a velocidades superiores à da luz e anotava as mutações físicas e psicológicas resultantes do processo. E é, mas na verdade… não é. Passamos a explicar: Um “estudo” publicado no jornal científico American Research Journal of Biosciences que se propunha a estudar os efeitos da velocidade warp 10 – uma velocidade teoricamente infinita e, portanto, impossível de replicar – no corpo humano era, na verdade, baseado nos eventos de um episódio de Star Trek: Voyager.
Foi inclusivamente o próprio autor do estudo – que o assinou enquanto Lewis Zimmerman, um cientista do Star Trek – que revelou o embuste. E tudo isto com um propósito, relata a revista Space. O autor – cujo nome verdadeiro não foi revelado por questões legais – é biólogo há mais de 30 anos e submeteu o estudo em questão em 10 jornais de livre-acesso ao público. Escolheu-os especificamente por serem jornais que alegadamente cobram quotas de publicação aos autores mas não fornecem os serviços editoriais típicos de um jornal científico, tais como a análise crítica dos resultados e a revisão científica dos artigos; como forma de os expor. O autor do “estudo” apelida estes jornais de “jornais predatórios”.
Quatro dos dez jornais aceitaram a submissão, sendo que apenas um, o American Research Journal of Biosciences, a publicou. Nenhum deles reparou que o artigo era falso.
Os jornais científicos online de acesso-livre surgiram na tentativa de dar ao maior número de pessoas o acesso a dados e investigações científicas, face ao elevado preço que as subscrições em jornais pagos podem ter. Para funcionarem, estes jornais cobram quotas aos autores cujos artigos são submetidos para publicação.
Segundo Jeffrey Beall, bibliotecário de investigação da University of Colorado, os jornais predatórios “não são seletivos naquilo que publicam. São essencialmente jornais contrafeitos, que imitam o aspeto e a sensação de jornais online legítimos, mas com o único objetivo de fazer dinheiro fácil”.
Beall chegou a possuir e divulgar online uma lista dos jornais predatórios que sabia existirem, mas acabou por apagá-la.
O “estudo”, intitulado Rapid Genetic and Developmental Morphological Change Following Extreme Celerity, relata as transformações que um grupo de participantes humanos sofre quando expostos à velocidade warp 10. E, para maior ou menor surpresa de todos, são as mesmas que as personagens Thomas Paris e Kathryn Janeway experienciam no episódio 32, “Threshold“, da série Star Trek: Voyager.
“Utilizámos uma metodologia replicada em que as duas cobaias humanas foram expostas à velocidade máxima teórica (warp 10) e examinadas”, relata “Zimmerman“.
Uma “primeira análise” revelou uma maior necessidade de dormir nos participantes, assim como uma maior reação a histamina – uma substância do sistema imunitário.
“Reações físicas à velocidade tornaram-se evidentes em observações tardias”, continua o “estudo”.
“Iniciou-se a exfoliação espontânea de células da pele, e uma nova camada intacta de células mais grossas formou-se em 96 horas”.
“Diferenças morfológicas internas foram observadas via análises de ressonância magnética e ImageJ, com os batimentos cardíacos a aumentar para o dobro. Mudanças morfológicas externas foram também observadas, mas não diretamente quantificadas”.
Dado o extremismo destas mudanças, a “equipa de investigadores” decidiu estudar também o efeito da warp 10 na fertilidade dos participantes.
“Os dois participantes foram autorizados a reproduzir-se, e uma ninhada de três descendentes viáveis e dotados de mobilidade foram produzidos, sem qualquer deformidade física externa relativamente aos pais”, escreveu o autor.
Esta não é a primeira vez que um estudo falso é aceite e publicado. O autor diz ter-se inspirado num outro “estudo ficcional” publicado no ano passado, com o mesmo intuito de expor jornais predatórios. Neste, um autor sob o pseudónimo de Neuroskeptic, disse ter estudado as midi-chlorians – organismos microscópicos do universo Star Wars responsáveis pela “Força”.
Um outro caso foi o estudo Get Me Off Your Fucking Mailing List, publicado no International Journal of Advanced Computer Technology em 2005, cujos autores David Mazières e Eddie Kohler submeteram como forma de protesto a emails indesejados enviados pelo jornal. O “estudo” consiste em 10 páginas em que a frase do título é consecutivamente repetida.