Não seria a primeira vez que os norte-coreanos pensariam em fugir do país. Nas últimas seis décadas, mais de 31 mil norte-coreanos desertaram para a Coreia da Sul. E também não seria a primeira vez que atletas norte-coreanos tentariam desertar durante eventos oficiais: um judoca, em 1999, iniciou a sua fuga a meio de uma competição em Espanha.
Na tentativa de evitar que tal cenário se repita durante os Jogos Olímpicos de Inverno, a decorrer desde 9 e até dia 25 deste mês, os mais de 500 atletas, os repórteres, os artistas e as líderes de claque – e até a irmã mais nova de Kim Jong Un, Kim Yo Jong – vão estar rodeados de guardas e informadores a todos os momentos da sua estada na Coreia do Sul.
Mas o “incentivo” para não desertar não se resume a este. Han Seo-hee, ex-líder de claque norte-coreana que desertou do regime em 2006, recorre às memorias que tem de eventos oficiais do regime do ex-grande líder Kim Jong Il para concluir que é muito pouco provável que uma líder de claque tente desertar durante um evento de tamanha importância.
“Eu nem sequer o ponderava”, diz Seo-hee em entrevista à CNN. “Elas têm família em casa, sabem que se desertarem as suas famílias serão aterrorizadas e castigadas”.
“Um grupo norte-coreano enviado para o estrangeiro é sempre composto por três partes: os membros do grupo, membros de segurança e membros administrativos”, explica. “Desta vez será igual”, acredita a ex-líder de claque.
Para além da família que deixam para trás, os atletas serão alvo de vigilância 24 horas por dia, mesmo quando não estiverem a competir. Quem o garante é um ex-agente da policia norte-coreano, que não quis ser identificado.
Nem mesmo à casa de banho os atletas poderão ir sozinhos, relata.
A todas as horas, os atletas serão acompanhados por informadores, encarregues de tomar nota dos seus comportamentos para reportarem posteriormente ao governo norte-coreano – mesmo durante orepouso na vila olímpica de Gangneung.
Segundo Seo-hee, o povo norte-coreano é naturalmente encorajado desde cedo a procurar comportamentos estranhos ou suspeitos em amigos e familiares e a reportá-los ao estado.
“Não apenas os líderes, mas todos os participantes serão castigados caso não reportem os sinais suspeitos de um desertor”, diz.
Os atletas já presentes em Pyeongchang apresentaram um comportamento dito “normal” quando deparados com os órgãos de comunicação social: sorrisos disciplinados e respostas simples às questões dos jornalistas.
No entanto, Seo-hee lembra-se do que o governo norte-coreano em tempos lhe ensinou.
“Éramos ensinadas que íamos ser enviadas para a Coreia do Sul não só para representar a claque, mas também para nos vangloriarmos sobre o nosso líder. Era-nos dito que devíamos levar a luta até ao coração dos nossos inimigos”, conta.
Para isso, as líderes de claque eram especificamente instruídas a não falar com ninguém no estrangeiro, a ignorar as perguntas dos jornalistas e a não estabelecer contacto visual quando abordadas.
Parte do povo sul-coreano não concorda com a presença da contraparte nortenha no país e considera perigosa a abertura das fronteiras ao país vizinho.
Lee Chul-sung, chefe da polícia sul-coreana responsável pela segurança dos Jogos, diz ter destacado um grupo policial específico para os norte-coreanos. Fê-lo para conseguir proteger os atletas dos protestos populares que nascem onde quer que estes vão.
Os norte-coreanos desejavam trazer a sua própria segurança para este efeito, mas foram proibidos. No entanto, o ex-agente norte coreano relata que o fizeram de qualquer forma, dissimulando os agentes de membros da equipa de apoio aos atletas.
Quando regressarem a casa, tanto os atletas como todos os envolvidos na viagem a Pyeongchang e nos Jogos Olímpicos de Inverno serão alvo de investigações, interrogatórios e avaliações de como cada um representou individualmente o seu país ao mundo, diz o ex- agente da polícia.