Quando, em dezembro, a administração Obama decidiu expulsar 35 diplomatas russos e confiscar duas mansões do Kremlin, em Maryland e Nova Iorque, Vladimir Putin não reagiu. Era um tempo de transição política em Washington, havia outro presidente dos EUA eleito e muitas promessas de descongelar as tensões acumuladas entre os dois países. A fé, e passividade, do presidente russo em Donald Trump durou seis meses.
A suspeita de interferência russa nas presidenciais norte-americanas não só impediu um reset das relações bilaterais, como também aumentou a fricção entre Washington e Moscovo. E, esta semana, atingiu um pico de risco no momento em que o Congresso dos EUA aprovou, por esmagadora maioria, um novo pacote de sanções à Rússia com um alcance criticado até pelos europeus.
A legislação permite aos EUA sancionar qualquer empresa envolvida em projetos energéticos russos – como a construção do gasoduto Nord Stream 2, entre a Alemanha e a Rússia, em que participam vários investidores europeus. “São sanções extraterritoriais ilegais contra empresas europeias”, reagiu o porta-voz de Angela Merkel. Em Bruxelas, o presidente da Comissão Europeia avisou que o slogan ‘América primeiro’ “não pode significar que os interesses europeus ficam em último”.
Nas últimas semanas, nos bastidores, os europeus pressionaram uma nova versão da lei das sanções, adianta o site Politico.eu. Se a proposta inicial incluía qualquer participação empresarial em projectos energéticos russos, a versão final indica que só os projectos com mais de 33% de capital russo podem ser alvo de sanções. Ao mesmo tempo, os congressistas dos EUA comprometem-se a consultar os aliados antes de decidir sanções a empresas europeias.
Mesmo com as manobras de última hora, alguns projectos no mar Báltico como os dois gasodutos Nord Stream e o futuro terminal de gás liquefeito, acordado entre a Shell e a russa Gazprom, correm o risco de ser incluídos na lista de sanções. Também o projecto da italiana Eni no pipeline Blue Stream, que liga a Rússia à Turquia, surge em primeiro plano.
Moscovo tem acusado Washington de querer, através da nova legislação, aumentar as exportações de gás liquefeito (GNL) para a Europa à custa de fornecimentos russos. Os EUA vivem um momento de excedente de gás do xisto e têm apostado nas exportações para mercados europeus. No terminal de Sines, por exemplo, este gás já representa 20% das descargas de GNL naquele porto. “Essa é a grande alteração em termos de origens do gás”, disse o presidente executivo da REN, Rodrigo Costa, ao Expresso.
Putin reforçou a ideia ao classificar de “extremamente cínicas” as novas sanções e cedeu, finalmente, no anúncio de represálias. Até 1 de setembro, a equipa diplomática e técnica norte-americana na Rússia será reduzida para 455 pessoas – as mesmas que Moscovo têm nos EUA – e uma dacha norte-americana, nos arredores da capital russa, e outras instalações de Washington serão encerradas. Neste momento, os EUA têm uma equipa diplomática de cerca de 1200 pessoas na Rússia. A retaliação russa é ainda assim cautelosa e mais proporcional às medidas de dezembro que à última vaga de sanções norte-americanas.
A nova legislação pode ainda ser travada por veto de Trump, que não escondeu defender uma aproximação à Rússia e o reatar de relações cordatas com o Kremlin. A maioria no Congresso norte-americano, no entanto, é suficiente para contornar qualquer bloqueio presidencial – as sanções foram aprovadas por 419 votos a favor e três contra na Câmara dos Representantes e por uma margem de 98 votos a favor e dois contra no Senado. Está aberto um período de “confronto aberto”, admitiu o ministro dos Assuntos Externos russo Sergey Lavrov.