Cada país tem o demagogo que merece e a Holanda tem Geert Wilders como exemplo supremo. No que toca a explorar preconceitos, emoções e medos, o homem que lidera o Partido da Liberdade (PVV) é um mestre. E o mais provável é que o movimento por ele criado há exatamente onze anos seja o mais votado nas eleições legislativas de 15 de março na Holanda. Um resultado espantoso se tivermos em conta que este é um partido quase sem aparelho, sem quadros dirigentes e onde o número de funcionários a tempo inteiro não chega sequer à meia centena.
A confirmar-se tal cenário, será uma enorme vitória para o homem que se vê a si próprio como um messias e um paladino da liberdade e da luta contra o Islão, contra os migrantes muçulmanos, contra as elites corruptas e contra a “ditadura” da União Europeia. E como a humildade também não é o seu forte, considera ter sido ele a inspirar a agenda política do empresário nova-iorquino que se tornou o 45º Presidente dos Estados Unidos da América.
Independentemente dos créditos sobre quem primeiro recorreu à xenofobia e à pós-verdade, as legislativas holandesas são o primeiro grande teste ao que vale neste momento o trumpismo entenda-se o populismo e os populistas na Europa. Trata-se de um escrutínio que terá depois segui mento em abril e maio, com a primeira e segunda volta das presidenciais em França, e a 24 de setembro com as legislativas alemãs em que Angela Merkel joga um quarto mandato como chanceler. E que pode ainda conhecer um episódio adicional, caso a atual crise política em Itália culmine em eleições antecipadas como pretende Matteo Renzi, o primeiro-ministro transalpino até dezembro.
CAPITÃO XENÓFOBO E OXIGENADO
Nascido há 53 anos em Venlo, no Norte da Holanda junto à fronteira com a Alemanha, Geert Wilders é o benjamim dos quatro filhos de um operário fabril casado com uma holandesa nascida na Indonésia. Mimado e rebelde, conclui o ensino secundário e, em vez de se inscrever na universidade como pretendia a família, decide viajar.
Como o dinheiro não deu para ir até à Austrália, acaba por ficar em Israel, onde passa quase dois anos a trabalhar em comunidades agrícolas, incluindo na monda de frutos e legumes.
O estado hebraico impressiona-o pela positiva a tal ponto que se considera um “amigo e fã” incondicional, tendo aí regressado umas 40 vezes nas últimas três décadas. Em contrapartida, os países árabes, que teve igualmente oportunidade de conhecer, considera-os “muito bonitos” mas insuportáveis devido aos “regimes ditatoriais”.
É desses seus tempos de juventude que defende a tese de que os palestinianos já têm o seu próprio país a Jordânia e que Israel é a primeira linha de defesa da civilização ocidental e dos valores judaico-cristãos.
Após a sua incursão pelo Médio Oriente, cumpre o serviço militar obrigatório, estuda em Amesterdão, forma-se na Universidade Aberta e vai depois viver para Utrecht. Na quarta maior cidade holandesa, torna-se um discreto funcionário da segurança social. Muitos anos depois, quando já era uma figura pública, revelaria que foi nesse período que descobriu as “tramoias e os esquemas” a que demasiados indivíduos recorriam para delapidar o “caduco estado social” do país. Ninguém sabe se o apelo da política data desse momento em que Wilders diz ter sido testemunha das distorções e da corrupção na máquina administrativa holandesa. O pouco que se conhece o próprio adora reescrever a sua história é que, em 1990, é já assistente parlamentar de Frits Bolkestein, antigo ministro da Defesa e líder dos liberais-conservadores do Partido Popular para a Liberdade e a Democracia (VVD). Na companhia do seu chefe e mentor, viaja pelos quatro cantos do mundo e, em 1998, após uma breve experiência como autarca, é já deputado e um crítico do multiculturalismo holandês. A retórica anti-imigração faz dele um enfant terrible e é obrigado a desvincular-se do partido, em 2004, após zurzir os seus pares que defendiam a entrada da Turquia na União Europeia. Ao manter-se no Parlamento como independente, continuou a dispor de uma tribuna mediática e instrumentalizou como ninguém a morte do realizador Theo van Gogh, assassinado por um jovem de origem marroquina que tinha uma lista de alvos a abater onde se encontrava o próprio Wilders. Egocêntrico e com reconhecidos dotes para a comunicação política, passa a exibir uma cabeleira oxidada que o ajuda a concentrar câmaras e microfones à sua volta. Ganha cognomes como Mozart e Capitão Peróxido, enquanto o “tsunami da islamização da Europa”, o encerramento das fronteiras, os insultos aos muçulmanos e à União Europeia entram definitivamente no seu léxico de campanha. Ao mesmo tempo, passa a viver sob proteção policial permanente. As ameaças de morte multiplicam-se e tem de sujeitar-se a uma vida nómada que o obriga, por exemplo, a estar semanas a fio afastado da mulher, Krisztina Marfai, uma personalidade enigmática e de origem húngara.
CONSPIRAÇÕES MARROQUINAS
Às dificuldades e aos desafios que enfrenta, Geert Wilders gosta de responder com provocações. Por saber que a Holanda é a pátria de Erasmo, aproveita-se como poucos da liberdade de expressão para despertar ódios e fazer depois o papel de vítima. Em 2008, realizou um documentário de 18 minutos, Fitna, que despertou tantos protestos mundo fora que nunca chegou a ser exibido. Só no Afeganistão, a embaixada holandesa chegou a ter mais de 10 mil pessoas a exigirem o seu linchamento por causa dos insultos ao Islão e a Maomé, que Wilders classifica como “bárbaro” e “pedófilo”.
A polémica dá-lhe tempo de antena e cobertura internacional, com o Reino Unido a impedi-lo de entrar no país para não perturbar a ordem pública, e a Al Qaeda de Bin Laden a exigir que os verdadeiros muçulmanos lhe tratem da saúde. As suas palavras contra os “marroquinos” retratados como “escumalha” e à qual prometeu “dar uma solução”, a exemplo do que Hitler disse sobre os judeus já lhe valeram dois processos de que saiu praticamente impune, apesar dos juízes reconhecerem os excessos de linguagem. Um escândalo, acusam alguns ativistas dos direitos humanos. No entanto, tudo isto parece fazer parte do jogo em que Wilders se move com prazer e talento.
Na última semana, cancelou todas as suas ações de campanha devido a uma nova e misteriosa conspiração para o assassinar. A trama levou à detenção de um polícia, identificado como Faris K., que integrava a segurança do líder do PVV e que terá fornecido informações confidenciais a uma rede criminosa constituída por elementos holandeses e marroquinos. Claro que este episódio mereceu muito mais atenção do que as propostas do candidato e que se resumem a pouco mais de uma folha A4. E que são por demais conhecidas do eleitorado há mais de uma década: proibir a venda do Corão, encerrar todas as mesquitas e locais de culto muçulmano, fechar as fronteiras aos nacionais de países islâmicos, realizar um referendo sobre a permanência da Holanda na União Europeia (na expectativa de um eventual Nexit) e a reintrodução do florim como moeda nacional. Eis a sua solução para que o seu país “volte a ser grandioso”, tal como Donald Trump prometeu fazer nos EUA. Será que os seus compatriotas, Henk e Ingrid (o Zé e a Maria), como lhes chama, o vão recompensar? Talvez. Mas há um problema prático que lhe veda a possibilidade de ser primeiro-ministro nenhum partido aceita coligar-se com o PVV. Entre 2010 e 2012, Wilders viabilizou no Parlamento uma geringonça governativa entre liberais e trabalhistas. Ninguém quer repetir a brincadeira. Assim sendo, o mais provável, caso se confirme a vitória do líder islamofóbico, é que tenha de haver uma geringonça alargada a cinco partidos, tal como ocorreu em 1972. É esse o preço a pagar para que Wilders permaneça na oposição.
DESCUBRA AS DIFERENÇAS
Donald Trump e Geert Wilders têm bastante em comum
TARAS CAPILARES
Ambos têm no cabelo a sua imagem de marca
EGOCENTRISMO
Comportam-se sempre como se o mundo girasse à sua volta. Wilders diz ter inspirado Trump mas até adotou o slogan #makenetherlandsgreatagain
FANÁTICOS EM REDE
Um e outro usam o Twitter para insultar adversários e manipular o eleitorado
ALVOS MEDIÁTICOS
Adoram culpar os jornalistas e os juízes quando algo não lhes corre de feição
ISLAMOFÓBICOS
Defendem Israel e acusam o Islão e os muçulmanos de quase todos os males globais
(Artigo publicado na VISÃO 1252, de 2 de março de 2017)