Há bastante tempo que os dois lados da barricada andavam a manifestar-se. De um lado, estão os médicos mais ortodoxos e alinhados com a American Psychiatric Association, que defendem com unhas e dentes a Goldwater Rule, uma regra que limita a intervenção dos especialistas em saúde mental no debate público. Do outro, estão psiquiatras proeminentes como os 35 que assinaram uma carta publicada há dias no New York Times, contestando a validade de uma restrição com mais de 40 anos e argumentando que estão demasiadas coisas em jogo para poderem manter-se calados.
Na carta, lê-se que é provável que os ataques de Donald Trump aumentem e que “a grave instabilidade emocional” revelada pelas suas ações e palavras “tornam-no incapaz de servir com segurança como presidente”. Embora reconheçam mérito à Goldwater Rule, os signatários consideram que, neste caso, deviam poder dar a sua opinião médica.
É uma “situação sem precedentes”, disse à CNN Leonard Glass, professor em Harvard e psiquiatra no McLean Hospital em Belmont, no estado do Massachusetts, “que não requer um diagnóstico específico”.
A Goldwater Rule, nome dado informalmente à secção 7.3 do código de ética da American Psychiatric Association, foi criada depois de um caso que envolveu um outro candidato presidencial republicano, Barry Goldwater.
Em 1964, durante o período pré-eleitoral, uma revista publicou um inquérito sobre a sua saúde mental. A maioria dos 2417 psiquiatras que responderam concluíram que ele era psicologicamente inapto para ser presidente. Chamaram-lhe “lunático perigoso” e “paranóico”, e escreveram que era “emocionalmente instável” e tinha de si próprio “uma imagem de Deus”.
Já depois de ter perdido as eleições, o político processou a revista e, em 1973, a American Psychiatric Association criou a Goldwater Rule.
O que se passou então lembra o que se passa agora, com uma diferença abissal – nunca como agora um candidato ou presidente esteve debaixo do escrutínio do público. E logo um presidente como Donald Trump que está constantemente a aparecer nas televisões e abusa do Twitter para dizer o que pensa.
Para a presidente da American Psychiatric Association, Maria Oquendo, a Goldwater Rule está tão válida como em 1973. Oquendo lembra que é fácil interpretar mal aquilo que alguém diz em público; por exemplo, uma pessoa que tenha um problema com o açúcar no sangue pode parecer momentaneamente incoerente.
Do outro lado da barricada está Jerome Kroll, co-autor de uma análise à regra, publicada, no ano passado, no Journal of American Academy of Psychiatry and the Law. Para este professor emérito do departamento de Psiquiatria na Universidade do Minnesota, entrevistado pela CNN, não seria numa consulta que ficaria a saber mais sobre Donald Trump do que por aquilo que tem visto na televisão. “Quando ele diz ‘Este país está terrível e eu sou o único que posso resolver os problemas’ é narcisismo ou está só a aldrabar a audiência?”